"A ANA precisará de ajudas do Estado. Não pode ir só dinheiro para a TAP"
18-03-2021 - 06:30
 • Eunice Lourenço (Renascença) e Helena Pereira (Público)

José Luís Arnaut, chairman da ANA, defende compensações pelas perdas da pandemia, dá o exemplo de outros países europeus e diz que o dinheiro não pode ir todo para a TAP.

Advogado, ex-ministro de Durão Barroso e atual gestor, José Luís Arnaut sugere que Montijo possa vir a ser o aeroporto principal de Lisboa e lembra que chegou a haver acordo entre Governo de Costa e Passos Coelho para retirar os autarcas do processo de decisão.

Em entrevista à Renascença e ao jornal 'Público', assume que a ANA, integrada na Vinci e responsável pela gestão de 10 aeroportos em Portugal, dispensou trabalhadores e cortou salários e que pretende negociar ajudas de Estado com o Governo.


Faz parte da vida política há cerca de 30 anos, foi governante, conhece o poder e os processos de decisão. Como explica que Portugal ande há 50 anos a debater a construção de um aeroporto?

Gostava imenso de ter uma resposta, mas não tenho. O país tem perdido muito em não tomar decisões. O que importa agora é recuperar o tempo. Há uma determinação que vinha do Governo de Passos Coelho de levar a cabo o aeroporto complementar do Montijo, decisão reafirmada por António Costa. Havia uma lei mal feita que criou alguns entraves. Esse processo legislativo está em curso e vai-se fazer, para sossegar ainda alguns espíritos, um estudo sobre qual é a melhor opção do ponto de vista estratégico. Temos que tomar uma decisão compatível com a capacidade financeira do país, que seja exequível em tempo útil, porque a Portela não vai aguentar muito mais tempo. Não vamos fazer projetos megalómanos, já lá vai esse tempo. Vamos fazer o que é exequível, eventualmente por fases.

O que é mais exequível? A ANA continua a preferir Montijo?

A ANA tomou uma opção pública de desenvolver o aeroporto complementar do Montijo. É, tecnicamente, o que achamos mais fazível. É reciclar um aeroporto existente. Não vamos criar desperdício. Agora, uma opção alternativa que o ministro Pedro Nuno Santos e o autarca Fernando Medina puseram em cima da mesa é o aeroporto do Montijo ter a hipótese de, daqui a uns anos, numa segunda fase, crescer com uma segunda pista e ter um desenvolvimento como aeroporto principal de Lisboa. Isso é possível.

É o que preferia? Montijo como aeroporto principal?

A decisão cabe aos políticos. A ANA dá apoio técnico e sabemos o que custa a opção Montijo e a opção Alcochete. Os aeroportos pagam-se de duas maneiras: ou com taxas ou com o dinheiro dos contribuintes. O Governo é que tem que saber. Se em vez de construir 15 hospitais quer fazer um aeroporto em Alcochete, faz um aeroporto em Alcochete. Se quiser que o aeroporto seja pago por taxas, vamos para uma outra solução mais simples, fazível e modular.

O Governo não devia então ter avançado há mais tempo com a alteração à lei que dá poder de veto às autarquias para a construção do aeroporto?

Sim, houve uma perca de tempo nessa matéria. Até porque havia um acordo com o PSD de Pedro Passos Coelho e o então ministro Pedro Marques, mas na altura o Governo não avançou. Avançará agora.

Mas Rui Rio começou por ser contra e só agora decidiu dar o seu acordo à mudança da lei.

Pois. Não deu [antes] porque entendeu que se devia fazer primeiro esse estudo estratégico que se vai fazer. A política tem os seus quês.

Tem havido versões díspares sobre o custo do aeroporto de Alcochete. Há pouco dizia que equivale a 15 hospitais.

Há algumas pessoas como o ex-presidente do LNEC, Matias Ramos, que discutem de uma forma quixotesca esta questão dos custos. Não vou entrar em discussões desse tipo com pessoas que respeito muito, mas que nunca construíram um aeroporto nem do Lego. A Vinci nos últimos quatro anos fez três aeroportos. Temos que ter em consideração as infraestruturas aeroportuárias, o pagamento das expropriações do terreno, custos de acessos e do material circulante. O nosso valor global [para Alcochete] anda na casa dos 7 mil milhões de euros. E sabemos o que está assinado com o Governo e que é esta primeira fase do Montijo: 600 milhões de euros – e que é fazível em três, quatro anos. O outro projeto demora no mínimo entre oito a dez anos. As únicas duas pessoas que de uma forma quixotesca defendem o aeroporto de Alcochete são Matias Ramos e José Sócrates.

Mas há ainda a questão ambiental.

Claro. A ANA está aqui para colaborar com o Governo – o que o Governo decidir, a ANA estará cá para construir, seja onde for. Faremos parte da solução. Não somos parte do problema. Agora, é preciso saber quem é que paga, ou com dinheiro dos contribuintes ou de taxas [aeroportuárias].

E há ainda a questão da indemnização...

Isso já foi desmentido pelo Governo e pela ANA. Só há lugar a indemnização se for retirada a concessão na sua globalidade. Temos mais 46 anos de concessão e queremos trabalhar para a retoma do turismo.

Está confiante nessa retoma do turismo? Para quando?

O setor mais afetado pela pandemia é o da restauração e hotelaria. Cidades como Lisboa viviam do boom turístico. Essa perspetiva tem que ser reanalisada e tem que haver uma ajuda muito séria do Governo ao sector do turismo.

Que tipo de ajuda?

Ajuda financeira. A bazuca não traz dinheiro para aqueles sectores. Não é com layoff apenas que se resolvem os problemas. Isto só melhora se houver turismo e para isso é preciso confiança, haver imunidade de grupo. A retoma vai acontecer, mas é uma retoma lenta e é preciso ser apoiada e financiada. O sector da aviação é dos mais afetados e a ANA não recorreu a uma única ajuda pública, nem layoffs nem nada.

Não precisou?

A ANA tinha responsabilidades de manutenção [das infraestruturas aeroportuárias] e entendeu não o fazer. Mas houve uma quebra de tráfego de 80%. É evidente que a ANA obviamente precisará – como está agora a acontecer em Espanha, em França, na Alemanha com 800 milhões, nos EUA com 16 mil milhões de dólares – de um pacote de ajudas à retoma das infraestruturas aeroportuárias. Obviamente que isto cria uma situação muito complicada do ponto de vista financeiro e a ANA não teve ainda qualquer ajuda do Estado. A seu tempo, iremos negociar com o Governo.

Tem alguma proposta?

Tem que haver equidade. No sector da aviação não se pode só ajudar a TAP. Se todos os partidos da Europa criam linhas de crédito e a Comissão Europeia criou uma exceção de não equiparar a ajuda de Estado às ajudas ao sector do turismo, hotelaria, restauração e aviação e ao sector aeroportuário obviamente o sector aeroportuário público ou privado (na Alemanha, são 400 milhões para o privado e 400 milhões para o público) tem que ter uma ajuda.

Qual foi o impacto financeiro da pandemia nas contas da ANA?

A seu tempo, as contas serão divulgadas.

E não dispensou trabalhadores a prazo?

Fizemos reestruturações relativamente a alguns trabalhadores e a algumas funções que não eram necessárias. Mas a ANA precisa de estar preparada para operar 24 horas por dia.

Dispensou quantas pessoas?

Várias. Houve também um plano de reformas, a que as pessoas aderiram. E houve uma grande compreensão dos trabalhadores relativamente a um pacote que foi negociado de redução de vencimentos, de 10% com redução também de horas de trabalho.

Já disse que os apoios não podem ir só para a TAP. Mas como vê a situação da TAP?

Eu sou daqueles que entendem que um país periférico em que 94% do turismo vem de avião precisa ter uma empresa bandeira. Mas não quer dizer que seja pública, pode ser privada, pode estar concessionada. Senão, o turismo fica dependente de interesses económicos de terceiros, como empresas low cost. Pode ser pública ou privada, mas tem que ser bem gerida e que possa assegurar um conjunto de objetivos estratégicos que o Governo defina.

Como vê o plano deste Governo e deste ministro para a TAP?

A TAP está numa situação complicada. É importante não morrer. Há que se encontrar soluções. Tem que haver um redimensionamento da TAP, há ali excessos de regalias. É a consequência de uma má gestão do passado.

E vários governos têm culpa, incluindo aquele de que fez parte.

A culpa é coletiva.

Sabe-se que a Groundforce está em profundas dificuldades, com salários em atraso. Como é que está a Portway, que opera no mesmo tipo de negócio?

Todas as empresas do setor aeroportuário estão com dificuldades. A Portway talvez tenha tido uma gestão mais cautelosa. Sobre a Groundforce, só não percebo como é que tendo já entrado 1.200 mil milhões de euros na TAP, esta não teve 30 milhões para meter na Groundforce? Ou o dinheiro já desapareceu todo e para onde?

Se se chegar ao cenário de insolvência da Groundforce, seria a Portway a ganhar com isso?

Não necessariamente, no mercado tem que haver sempre duas empresas. Se a licença da Groundforce cair, a ANAC seguramente lançará um concurso.