Duas novas exposições de Paula Rego com inéditos para ver em Cascais
04-11-2022 - 06:51
 • Maria João Costa

Abrem na Casa das Histórias, em Cascais, este sábado, as duas primeiras exposições sobre a obra de Paula Rego, depois da morte da artista. Uma dose dupla dedicada à década de 1970 e que revela obras até aqui inéditas.

Visitar as duas novas exposições que abrem este sábado na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, é descobrir obras inéditas da artista que morreu em junho deste ano. Estas são, de resto, as duas primeiras exposições a serem apresentadas depois do desaparecimento de Paula Rego.

“Histórias de todos os dias. Paula Rego, anos 70” e “Paula Rego e Salette Tavares: Cartografias da criatividade feminina nos anos 70” são duas mostras que revelam os trabalhos da artista de uma década até aqui não explorada em exposições na Casa das Histórias.

Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, a curadora Catarina Alfaro fala dos anos 70 do século passado, como uma época embrião de várias técnicas que Paula Rego veio a usar nas décadas seguintes.

“Ela começa a utilizar a tinta acrílica, apesar de ainda ter colagem. Recorre a várias fontes muito importantes que constituíram o seu imaginário figurativo. Recorre, por exemplo, a imagens de revistas de ilustração que o seu avô guardava. Há também uma linguagem de livros de banda desenhada e a paleta de cores também se alargar”, refere Catarina Alfaro.

Na exposição “Histórias de todos os dias. Paula Rego, anos 70” são reveladas 115 obras da artista. Muitas delas, indica a curadora, “há muito tempo não são vistas em exposições”. Reconhecendo que a década de 1970 “não é ainda uma época muito estudada na obra de Paula Rego”, Catarina Alfaro explica que se trata de uma altura em que a artista “desenvolve uma série de técnicas que marcarão o seu desenvolvimento posterior”.

Para esta exposição vieram, do atelier de Londres, obras até aqui inéditas. Uma delas “está associada ao estudo que Paula Rego fez sobre os contos populares portugueses”, trata-se da peça “A Noiva do Corvo”. Mas a exposição explora também os arquivos da Fundação Calouste Gulbenkian e mostra os relatórios das bolsas que a instituição atribuiu à artista, em 1977 e 1978.

Muitas das obras expostas foram produzidas na casa do Estoril onde Paula Rego vivia. “Durante os anos de 1969 e 1970, ela inicia um processo ilustrativo sobre as memórias infantis e familiares”, explica Catarina Alfaro. A curadora e diretora da Casa das Histórias refere que estas são, como Paula Rego chamava, “as histórias de todos os dias”. Foi daí que nasceu o título para a exposição.

Há, contudo, uma dimensão política na exposição. Na década de 70, Portugal sofreu profundas transformações, com a Revolução de Abril e Paula Rego não ficou imune a isso, trazendo o tema para a sua arte.

“Encontramos obras que nos revelam o ambiente vivido durante as eleições para a Assembleia Nacional, em outubro de 1969. Foram as primeiras realizadas na 'Primavera Marcelista'. É muito interessante perceber como a Paula Rego retrata os grupos que iriam votar. Nesses desenhos é muito visível o lado caricatural. No pós 25 de abril, no rescaldo da Revolução há também algumas obras que descrevem o sentimento de Paula Rego em relação aos acontecimentos políticos e sociais da época. Às vezes, demostra-nos um certo descrédito, porque afinal a situação política e artística do país não evoluiu como ela tinha ambicionado”, explica a curadora.

Esta é uma exposição que poderá ser vista até 21 de maio do próximo ano, a par de outra que também abre dia 5. “Paula Rego e Salette Tavares: Cartografias da criatividade feminina nos anos 70” é uma mostra que revela o diálogo artístico entre Paula Rego e a poeta, ensaísta e artista plástica Sallete Tavares.

“É uma exposição documental. Trouxemos para a exposição vários catálogos da época, documentos e entrevistas que a Sallete Tavares fez a Paula Rego, cartas que a Paula Rego escreveu a Sallete Tavares e vice-versa. Obras de Paula Rego que foram feitas para Sallete Tavares, portanto, tem um carácter muito pessoalizado”, indica Catarina Alfaro, que com Leonor de Oliveira assina a curadoria desta exposição que fala de uma “relação de cumplicidade” entre as duas criadoras.