Professor e penalista, Rui Pereira não tem dúvidas de que o futuro vai passar pela justiça restaurativa, ou seja, mediação entre vítima e agressor, reabilitação, outro tipo de penas e outras formas de lidar com o fenómeno da criminalidade.
No fundo, defende o antigo ministro da Administração Interna, será um processo através do qual as partes envolvidas num crime decidem em conjunto como lidar com os efeitos deste e com as suas consequências futuras – uma Justiça associada à proclamação do fracasso da denominada justiça retributiva, incapaz de dar respostas adequadas ao crime e às problemáticas específicas de vítimas e infratores.
Em entrevista à Renascença, Rui Pereira lamenta que “nos últimos anos, por causa do contexto económico, não tenha havido uma aposta na reintegração social dos reclusos. Por vezes, talvez se pense que isto é um luxo. Não é!”, destaca.
“Além de ser uma política humanista em relação a agentes de crime, é uma parte essencial na defesa da sociedade, porque as pessoas não estão eternamente na prisão”, sustenta.
O penalista lembra que “já não há penas perpétuas, e ainda bem; as pessoas não são, felizmente, executadas e quando regressam ao convívio social podem reincidir e voltar a cometer crimes”.
No entender de Rui Pereira, antigos reclusos apoiados na saída da prisão são pessoas com maior probabilidade de traçar outro caminho na vida.
Menos penas de prisão “não é utopia”. Número "será residual"
Rui Pereira não tem “grandes dúvidas de que até, ao fim do século XXI, a pena de prisão será residual e isso não corresponde a uma utopia”.
Segundo este penalista que esteve envolvido em várias mudanças legislativas penais, “as penas têm localização histórica. Assim como as penas corporais são matéria transitada em julgado em Estados democráticos; assim como a pena de morte se considera hoje bárbara; assim como a prisão perpétua não só é proibida constitucionalmente como não é admissível; assim como tudo isso aconteceu no sentido da humanização das penas, estou convencido de que, no futuro, a pena de prisão terá caracter residual”.
Um Direito Penal que proclama que não é a retribuição pela retribuição que leva à punição, é evidente que é um Direito Penal que deve ir criando várias áreas alternativas à pena prisão, sem descurar a defesa social. E essas alternativas devem ser complementadas com políticas de reintegração social efetivas, defende.
Cibercrime. “O legislador anda ‘às apalpadelas’”
Numa altura em que o crime ultrapassa cada vez mais fronteiras e entra em novas dimensões, como o ciberespaço, “há novos fenómenos criminais e isso traz a possibilidades de sancionamentos alternativos”, afirma Rui Pereira.
“Está provado que a Obrigação de Permanência na Habitação (OPH) tem níveis de eficácia elevadíssimos, superiores a 90%, e sem falar em considerações economicistas. Poupa-se muito”, exemplifica.
Mas é preciso mudar a lei do cibercrime. O antigo ministro lamenta que essa legislação “não tenha sido ainda alterada desde que foi aprovada pela primeira vez”.
“Essa ausência de alterações pode dar ideia de estabilidade legislativa positiva, mas diria que o fenómeno é diferente: a lei não é alterada porque, em matéria de cibercrime, o legislador anda ‘às apalpadelas’. Todos sabemos que o direito é reativo”, analisa.
Sublinhando que “o espaço do cibercrime é um espaço de liberdade, mas também de risco”, Rui Pereira defende na Renascença que “é preciso proteger os bens jurídicos contra todos os crimes, não apenas contra devassas e sabotagem informática”.
“Temos visto que crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de crianças são cometidos frequentemente no ciberespaço. Surgem delitos novos e necessitam de novas sanções”, alerta.
Questionado sobre o uso do ciberespaço para denunciar crimes e, em concreto, sobre o caso do hacker português Rui Pinto (em prisão preventiva por suspeitas de extorsão entre outros crimes), o penalista é claro: “Creio que, a certo nível, a denúncia de crimes precisa de ser protegida – pessoas que estão em contacto com organizações e que precisam de proteção de perseguições, etc… Neste processo, sem esquecer a presunção da inocência do arguido, não podemos confundir atividade de um denunciante com a atividade de um agente provocador que se dedique, até mediante extorsão, a obter segredos para conseguir lucro”, sustenta.