Eça de Queirós morreu há 120 anos. No entanto, lendo os seus romances encontramos inúmeros sinais de enorme atualidade sobre os portugueses. Talvez o facto de Eça ter vivido grande parte da sua vida no estrangeiro lhe tenha dado uma especial lucidez sobre a nossa, portuguesa, maneira de ser. Ninguém como Eça retratou com tanta ironia o nosso atraso civilizacional.
Reparemos nos últimos dois séculos. Há 200 anos aconteceu a revolução de 1820 que, após muitas vicissitudes e uma sangrenta guerra civil, iria mudar a monarquia portuguesa de absoluta para constitucional. Foi um progresso, mas, pelo menos até meados do séc. XIX, multiplicaram-se as guerras entre fações liberais. E a antiga aristocracia foi sendo substituída pelos que enriqueciam com os bens retirados à nobreza absolutista e à Igreja.
Havia eleições e parlamento – mas é significativo que, ao longo da monarquia constitucional, nunca qualquer governo em exercício tenha perdido uma eleição. A alternância no poder governativo dependia de decisões do monarca, que dissolvia o parlamento e convocava eleições.
E, apesar dos esforços de políticos como Fontes Pereira de Mello, a revolução industrial passou ao lado do país. Como tinha acontecido sobretudo no reinado de D. João V, no séc. XIX vinha muito dinheiro do Brasil – já não por causa do ouro, mas das remessas dos emigrantes portugueses naquele país. Quando houve uma quase paragem nessas remessas, por razões da situação brasileira, Portugal foi à bancarrota perto do final do século.
Os últimos anos da monarquia foram altamente agitados e culminaram no regicídio, em 2008. Dois anos depois foi instaurada a república, suscitando grandes esperanças. Abria-se uma nova era – mas é difícil dizer que fosse para melhor.
A permanente luta entre republicanos e a fatal decisão de fazer entrar o país na I guerra mundial, contra a vontade dos aliados britânicos (que conheciam as nossas fracas capacidades), trouxeram muitos mortos e prepararam o terreno para o que viria a ser a futura e longa ditadura.
Salazar tirou a liberdade aos portugueses. E não lhe agradava o crescimento económico, com as suas inevitáveis consequências sociais. Preferia um Portugal agrícola e pobre.
É certo que a década de 60 do séc. XX foi a de maior crescimento da economia portuguesa. Mas isso teve muito a ver com a integração europeia. Um pouco a contragosto de Salazar, Portugal logrou ser membro fundador da EFTA em 1960, abrindo-lhe mercados como o sueco, por exemplo.
A democracia regressou com o 25 de Abril, mas Portugal teve de receber nos anos seguintes duas intervenções do FMI para colocar (momentaneamente) as nossas contas públicas em ordem. Depois, já como membro da UE, o país recebeu um empréstimo de emergência e a “troika”, com a austeridade.
O governo da “geringonça” repôs direitos e eliminou cortes nos orçamentos das famílias, mas não fez reformas estruturais. O atual governo, a manter-se mais uns tempos, apenas faz navegação à vista. Não admira que a economia portuguesa esteja a ser sistematicamente ultrapassada pelas economias de países do Leste europeu.
E há problemas relativamente novos, até agora sem resposta digna desse nome. É o caso das alterações climáticas, que prejudicam sobretudo os países do sul da Europa, e da desertificação de uma crescente parte do território continental. Além de que a pandemia não poupa Portugal, tornando tudo mais difícil.
O historiador britânico Toynbee, que morreu em 1975, defendeu a ideia de que a civilização das sociedades avança quando estas são confrontadas com desafios particularmente graves, que suscitam uma resposta sem precedentes. Talvez todas as dificuldades, internas e externas, que Portugal hoje defronta, levem finalmente a uma resposta capaz de vencer o nosso atraso. Este é um desejo, muito longe infelizmente de uma certeza.
Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus