"​O essencial é invisível para os olhos"
19-12-2016 - 08:52

“O Principezinho” representa um belo desafio natalício. Para lá da loucura das prendas, buscar o essencial, o Outro.

“Sempre gostei do deserto. Uma pessoa senta-se numa duna. Não vê nada. Não ouve nada. E, no entanto, há qualquer coisa a brilhar em silêncio. O que torna o deserto bonito (…) é haver um poço escondido em qualquer parte…”.

A fala é de um pequeno príncipe vindo de outro planeta, que nos foi apresentado por Antoine de Saint-Éxupéry, no longínquo ano de 1943, nos Estados Unidos. A edição de ‘O Principezinho’ em França só surgiu três anos depois, quando a Europa viu a Libertação do pesadelo da guerra. Foi há dias que o país natal do autor evocou os 70 anos desta espantosa obra, entretanto traduzida em cerca de 265 línguas, com 145 milhões de exemplares vendidos, sendo hoje considerada uma das mais lidas do mundo (dados do site oficial).

E na verdade relê-la é fazer a (re)descoberta do caminho da sabedoria. É dar-se conta de como o sentido da vida se plasma em dimensões simples e perenes, que assentam numa atitude de busca. E essas dimensões são de uma actualidade que dói e desafia.

O livro parte do encontro entre o narrador (que, tal como o autor, se viu perdido no deserto do Sahara, onde se viu forçado a aterrar o seu avião avariado) e o pequeno príncipe. Ambos andam à procura de pessoas. De pessoas que “não sabem do que andam à procura” e, portanto, “não fazem senão andar à roda...”. De pessoas formatadas, sisudas, auto-centradas e que gostam mais de números do que de gente: «Quando vocês lhes falam de um amigo novo, as suas perguntas nunca vão ao essencial. Nunca vos perguntam: "Como é a voz dele? De que brincadeiras é que ele gosta mais? Ele faz colecção de borboletas?" Mas: "Que idade é que ele tem? Quantos irmãos tem? Quanto é que ele pesa? Quanto ganha o pai dele?" Só assim é que pensam ficar a conhecê-lo».

A esses – a nós – falta o tempo para cuidar da sua rosa, para criar laços com outras pessoas, para cultivar a amizade. Andamos em busca do conhecimento, sem perceber que só conhecemos o que amamos e que caminhar nessa direcção nem sempre é avançar “em linha reta”. Descuramos a paciência e a atenção que o criar laços requer e perdemos de vista o ritual do cuidado, “que faz com que um dia seja diferente dos outros dias e uma hora, diferente das outras horas”.

“O Principezinho” representa um belo desafio natalício: no deserto, encontrar “qualquer coisa a brilhar em silêncio”. Para lá da loucura das prendas, buscar o essencial, o Outro. Que é “invisível para os olhos”.