Notas da chamada “rentrée"
04-09-2016 - 23:21

Passos Coelho não consegue sair da prisão em que se meteu, Assunção foi “atropelada” pelo ex-parceiro de coligação e Marcelo fez questão de se meter numa rentrée que ainda cheira a férias.

Já entrámos em Setembro, mas ainda faz um calor de Agosto, o povo – diz o Presidente – está distendido, ou mesmo ainda estendido à beira-mar, mas este fim-de-semana cumpriu-se uma parte desse ritual político a que chamamos “rentrée”. Passos Coelho encerrou a Universidade de Verão, Assunção Cristas fechou a Escola de Quadros e Jerónimo de Sousa fechou a Festa do Avante. O que fica, então, de um domingo cheio de discursos políticos?

1. Pedro Passos Coelho não consegue sair do seu próprio labirinto. O líder do PSD mostrou mais uma vez, como tinha acontecido há três semanas na Festa do Pontal, a sua incapacidade de dar a volta ao discurso. Não parece ter mais nada a dizer do que “isto vai correr mal, vai correr muito mal”, sem apresentar soluções, propostas, ideias.

Diz que não quer ser cúmplice da desgraça que anuncia, mas também diz que o PSD não deve ter pressa de voltar ao poder e que o mais importante é salvar Portugal. Mas se a desgraça é assim tão grande não devia ter pressa?

Passos já tinha avisado que não contem com ele para a aprovação do Orçamento do Estado, mas parece preparar-se para repetir o filme do Orçamento do Estado deste ano: não apresentar propostas. Ora, o líder da oposição, que é, ainda por cima e ao mesmo tempo, o líder do maior partido no Parlamento não pode não ter alternativas. As suas propostas vão ser rejeitadas? É provável, mas é assim que funciona a democracia. O PCP passou anos a fazer autênticos orçamentos alternativos.

2. Há diferenças entre Passos Coelho e Assunção Cristas. Sim, há. Na forma: ela é mais eficaz e menos chata do que ele. E no conteúdo: ela também optou por fazer um ataque cerrado às esquerdas, mas apresentou propostas. Podem ser irrealistas, mas mostram trabalho e que há modelos e opções diferentes.

3. Se havia dúvidas, este domingo mostrou a ruptura entre os anteriores parceiros de coligação governamental. Separados por mais de 200 quilómetros, Passos Coelho e Assunção Cristas tinham o encerramento das respectivas universidades previstos para o mesmo dia e por volta da mesma hora. Ainda assim, houve um esforço de coordenação que começou na quinta-feira para que não falassem ao mesmo tempo. O CDS, que tinha tomado a iniciativa de tentar um compromisso, estava avisado que Passos falaria, em Castelo de Vide, a partir das 12h45. Assunção decidiu, então, começar o seu discurso pelas 12h15. Mas, dez minutos depois de a líder do CDS começar, Passos Coelho subiu à tribuna de Castelo de Vide, “atropelando” a sua antiga ministra.

Assunção foi mediaticamente prejudicada, pois os três canais noticiosos mudaram, rapidamente, os directos da praia da Consolação para a vila alentejana e já não voltaram à Escola de Quadros do CDS. Dos directos de Assunção ficou apenas o seu ataque à “festança” da esquerda e nenhuma das suas propostas.

4. Jerónimo de Sousa continua igual a si próprio e está para ficar. O PCP diz do próximo Orçamento o que sempre disse de qualquer Orçamento: a decisão será determinada pelo conteúdo pois o PCP não passa um “cheque em branco”. Quer, como sempre, reposição de salários e aumento de pensões.

A haver problemas, a culpa será da Europa, como sempre foi. O PS só tem de escolher se cede à Europa ou aos comunistas. Como os socialistas – que só têm a sua “rentrée” no próximo fim-de-semana - continuam a considerar que é possível honrar os compromissos com ambos, metidos entre a espada e a parede, podem sempre tentar que a parede se mexa.

5. O Presidente não resiste. É superior às suas forças. Se os partidos falavam quase todos este domingo, Marcelo não podia ficar calado e, na sua Festa do Livro, falou para dizer que vivemos todos uma grande normalidade. A nível popular “há uma distensão” e quanto aos políticos faz parte do filme “haver alguma crispação”, disse o Presidente para quem “felizmente” há duas visões da política no imediato. Marcelo está, claramente, apostado em acabar com o ambiente pessimista e em dar mimo e esperança aos portugueses. Se isso implicar desvalorizar as críticas e os alertas feitos pelo CDS e o PSD, é lá problema deles.