Espera por IVA reduzido na construção pára “muitos negócios” e é “grande falha do Governo”
16-10-2024 - 06:20
 • Sandra Afonso

Em entrevista à Renascença, a bastonária dos Contabilistas Certificados diz que este é um “Orçamento contido” e lamenta que um Governo de direita não tenha apresentado “um Orçamento mais virado para as empresas”. Para Paula Franco, o executivo ficou muito aquém no IRC, perdeu oportunidades nas negociações com o PS, falhou no IVA reduzido para a construção e pode não conseguir o crescimento previsto. Ainda assim, rejeita um cenário de eleições antecipadas.

“Há muitos negócios parados” à espera do IVA reduzido na construção, alerta a bastonária dos Contabilistas Certificados.

Em entrevista à Renascença, Paula Franco considera que esta é uma das "grandes falhas do Governo” e também aponta críticas à proposta de Orçamento do Estado (OE2025).

Os contabilistas reconhecem a posição difícil de uma força política com o poder negocial comprometido pela maioria relativa. A bastonária refere essas areias movediças várias vezes e em diferentes pontos desta entrevista, mas não deixa de denunciar as limitações da proposta de OE2025

Um “Orçamento contido”, que denuncia a necessidade de “ceder às pressões políticas” e, talvez por isso ou também por isso, ficou aquém em matérias essenciais. Desde logo, o IRC.

Paula Franco defende que os empresários e as empresas esperavam mais do primeiro Orçamento de direita em quase uma década: mais alívios fiscais, mais incentivos ao investimento, mais prioridade ao investimento, mais aposta no crescimento.

A bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados duvida até do excedente previsto para 2025, mas prefere que o Orçamento do Estado passe no escrutínio parlamentar ou, sendo rejeitado, uma gestão por duodécimos, a um cenário de eleições antecipadas.

Que avaliação faz deste Orçamento?

O que vemos é um Orçamento contido, não traz grandes novidades, não traz grandes questões. As grandes opções do Governo em termos de programa ficaram um bocadinho aquém nesta proposta de Orçamento e vemos aqui, sem dúvida, a necessidade de existir a aprovação deste Orçamento e, por isso, ceder às pressões políticas.

A propósito disso, neste momento a viabilização do Orçamento do Estado depende apenas de um ponto percentual no IRC. Justifica-se?

Eu acho que não se justifica e tenho pena que exista esta pressão. Acho que Portugal precisa e as empresas portuguesas precisam desta descida do IRC. Para mim, o ideal teria sido os 2% e aquele compromisso que existe até 2028, porque as empresas portuguesas precisam de ter o seu IRC mais baixo para poderem, pelo menos, aumentar salários e aumentar investimentos.

Nas negociações entre o PS e o PSD foram ainda discutidas outras alterações ao Orçamento...

O Governo também não pegou numa contraproposta do PS que, na minha opinião, era interessante, que era uma recuperação do CFEI, um crédito fiscal ao investimento, que foi um dos benefícios fiscais mais utilizados pelas empresas portuguesas.

Acho que perdeu aqui uma oportunidade, já que, se tem que ceder, poderia ter utilizado esse benefício. Não quis, o que fez foi reduzir 1% [no IRC] e melhorar dois benefícios fiscais já existentes, que não são tão fortes, porque têm muitos condicionalismos. O benefício relacionado com os prémios de produtividade aos trabalhadores.

Diz que foi melhorado?

Não lhe sei dizer se foi melhorado, porque eu acho que foi alterado, mas tem ainda muitas condicionantes que levam a que a maior parte das empresas não o aplique, nomeadamente a obrigatoriedade de aumentos salariais.

Está inscrito no Acordo de Rendimentos assinado pelos parceiros sociais.

Criaram ali uma média que vai condicionar a um aumento salarial de 4,7%, o que me parece um bocadinho excessivo para que as empresas consigam beneficiar. Melhoraram também o benefício fiscal relacionado com a capitalização e com a retenção de capitais.

Que já estava no pacote das 60 medidas para a economia.

E que já existia no ano passado, foi só apenas melhorado, foi clarificada uma questão relativa à Euribor e a majoração foi melhorada.

Estes dois benefícios, no fundo, já existiam, já vêm do ano passado, do governo PS. Foram só ligeiramente melhorados, ainda que, na minha opinião, continuam com condicionalismos que levam a que a maior parte das empresas acabe por não os aplicar.

Resumindo, acho que em termos de IRC, ficou muito aquém daquilo que as empresas portuguesas precisam, ficou aquém daquilo que pode levar a uma melhoria das empresas portuguesas, uma sustentabilidade, uma criação de riqueza.

Era mais expectável vir de um Governo de direita um Orçamento mais virado para as empresas e isso não aconteceu. Está bem que temos os condicionalismos políticos, obviamente que o Governo não tem maioria absoluta e não pode definir por si só as medidas que pretende mas, ainda assim, poderia ter ido mais além.

A separar PS e PSD esteve ainda o IRS Jovem, entretanto alterado, mas que continua a ser criticado pelos custos que implica, face aos resultados que garante. Concorda?

Acho que temos um problema em Portugal que é a captação de talentos, não só pela imigração em si, mas até pela melhoria de vida dos jovens portugueses. Estamos com um problema grave a nível da habitação e, claramente, os jovens têm que ser olhados de outra forma. Cria algum desequilíbrio, obviamente, algumas vantagens para determinados setores e faixas etárias que não existem para outros, é claro que sim. Pode-se falar de injustiça, ainda assim eu acho a medida muito positiva, porque os jovens em Portugal estão a passar por uma situação que nunca outras gerações passaram.

E o que pensa do modelo adotado para o IRS Jovem?

O que nós tínhamos no programa do Governo da AD era bastante mais, mas enfim, ficou ali a meio caminho. Apesar de tudo, é positivo porque não se retrocedeu. Acho que é extremamente importante criar uma diminuição de impostos para os jovens.

A habitação é um problema que vai ser muito mais difícil de resolver a curto prazo. Uma melhoria do rendimento disponível pode levar a que os jovens consigam, pelo menos, ter alguma autonomia em termos da organização da sua vida. Espero que quando a maioria destes jovens chegue aos 35 anos, a situação de Portugal já esteja mais resolvida, os impostos sobre o rendimento estejam mais baixos.

Acho que a medida ficou aquém. Ainda assim, é muito positivo o alargamento até aos 35 anos e o não depender do fim dos estudos, porque isso condicionava muito a medida e ainda a tornava mais injusta, dentro daquela faixa etária.

Este Orçamento do Estado alivia ainda o IRS, o peso do imposto nos salários desce claramente.

Isso continua e também acho que é muito positivo. A medida já vem a ser implementada há alguns anos, que é a redução do IRS sobre o trabalho dependente.

Vai depender do agregado familiar, mas os escalões do IRS têm uma descida de 4,6%, superior à inflação, o que me parece bastante positivo, para manter esta política de descida de impostos que Portugal precisa, porque para os salários que existem em Portugal a carga fiscal é muitíssimo elevada. Significa que em 2025 vamos todos ver também uma descida no nosso IRS final.

Para o próximo ano o Governo prevê um excedente orçamental de 0,3%, são cerca de 700 milhões de euros, e já avisou que não há margem para negociar, porque é um valor que está acordado com Bruxelas. Como avalia o risco de incumprimento perante estes 0,3%?

A economia tem de crescer e é bom que cresça, mas acho que as medidas que vêm no Orçamento de Estado não são tão significativas para ajudar neste crescimento. Tenho algum receio que não se venha a verificar estes números.

Na construção civil, o programa do Governo prevê a descida do IVA para a taxa reduzida, ou seja, de 23% para 6%. Este Orçamento inclui uma autorização legislativa para mexer no imposto, mas continuamos sem saber quando e quanto é que vai descer...

E sem sabermos como. Eu acho que foi uma das grandes falhas do Governo. Esse foi, realmente, um dos pontos fortes do programa eleitoral e era expectável que viesse neste Orçamento do Estado. A autorização legislativa prevê que durante o ano se tenha que legislar nesse sentido, mas gostaria de ter visto a medida já mais robusta, de saber exatamente o que é que é. Concretizada.

Claro que num Orçamento do Estado que está com tanta pressão, percebo que com uma autorização legislativa, se o Orçamento passar, é mais confortável para poder legislar mais à vontade, a seguir. Espero que essa medida venha a ser, de facto, legislada, no sentido de aliviar a taxa do IVA sobre a construção de habitação. Está a ser uma das medidas que muitos dos construtores civis estão à espera e têm muitos negócios parados à espera dessa medida.

No automóvel, tem-se arrastado um diferendo entre contribuintes e fisco sobre a tributação dos carros importados. Este Orçamento do Estado pode finalmente resolver esta situação?

Sim, isso é uma velha questão, sobre a dupla tributação ou a tributação de IVA sobre outros impostos e, portanto, é uma das questões que se espera que venha a ficar resolvida, sim.

Destaco ainda a descida das taxas das tributações autónomas, que me parece muito positiva. O valor dos carros em Portugal tem aumentado substancialmente e os valores têm permanecido ao longo dos anos. Por isso, esta medida é muito positiva para as empresas e para quem tem frotas e em termos de IRC é das que tem mais significado.

Segundo o INE, a receita com a taxa sobre embalagens de plástico ficou aquém, teve um encaixe no último ano de pouco mais de 3 milhões, quando estavam previstos, cerca de 20 milhões. A medida deve ser repensada?

Acho que não, penso que teve efeito. As taxas especiais não pretendem ter uma receita especial, mas mudar comportamentos. Nós todos podemos testemunhar que em Portugal existiram mudanças neste aspeto e, por isso, é natural que a receita seja menor, porque deixou praticamente de se utilizar embalagens de plástico. É esperado que se mudem comportamentos e que deixe até quase de existir receita.

Na apresentação do Orçamento, o ministro das Finanças fez questão de sublinhar, até mais do que uma vez, que os impostos sobre o consumo não eram atualizados e que não havia agravamento, por exemplo, do ISP. Concorda com esta avaliação do ministro, tendo em conta que a taxa de carbono é atualizada?

É discutível. Percebo que possa no fim não haver grande aumento mas, só fazendo contas, só depois de vermos na prática como é que vai funcionar o ajustamento da taxa de carbono.

Nem os contabilistas conseguem dizer se vamos ficar a pagar mais ou menos pelos combustíveis?

Não, nós não olhamos muito para essa área, não fizemos uma avaliação sobre essa questão.

Os reformados pedem um aumento de 5% do valor das pensões, o ministro das Finanças já prometeu avaliar se haverá margem para um aumento extraordinário a meio do ano. Acha viável este aumento de 5%?

Eu acho que é muito difícil, face aos números e toda a parte orçamental apresentada, haver margem para os aumentos que todas as atividades, reformados e depois dentro das atividades que estão no ativo, ainda estão a pedir.

Nada disto é elástico, costumo dizer muitas vezes, tem de haver uma redução da despesa pública e não um aumento. Para se aumentarem as reformas, para se aumentarem os salários dentro da administração pública, tem de se encolher do outro lado, a receita também não consegue aumentar muito mais, é preciso equilibrar estas situações.

Os salários e os reformados têm pedido e têm tido aumentos extraordinários, como todos sabemos. Todos os salários necessitam de ser aumentados em Portugal, quer a nível privado, quer a nível público, quer a nível dos reformados, obviamente que sim. Mas têm que existir condições para isso.

Se a economia reagir bem, corresponder à expectativa, poderá haver essa possibilidade de aumento a meio do ano. Mas, com muita cautela, com a avaliação do que vai acontecer em relação à produtividade, àquilo que a economia vai trazer em termos de resultados.

Neste momento ainda não há nenhuma certeza sobre se o Orçamento passa ou não. O PS já devia ter anunciado qual é a sua posição de voto?

Do ponto de vista político, não me pronuncio. Cabe a cada partido gerir a sua pressão, as suas expectativas.

Do ponto de vista económico, acho que o ideal para qualquer país é haver estabilidade. Obviamente que não havendo um governo com maioria não significa que não possa haver estabilidade, acho que os acordos têm que existir, tem que haver cedência de todas as partes e acho que o ideal é manter-se o governo e dar continuidade.

Ainda há pouco tempo fomos a eleições e a perspetiva em termos das sondagens que existem é que não vai mudar muito mais, portanto, o ideal é que o Orçamento seja aprovado e se dê continuidade à política que está a ser seguida.

Sem um Orçamento, é preferível uma gestão por duodécimos a eleições antecipadas?

Face às últimas sondagens, acho que é. Enfim, se elas forem corretas e se corresponderem à realidade. Parece que não existirá muita diferença, portanto, se não existe diferença, será melhor os duodécimos do que propriamente eleições antecipadas.