“A beleza é essencial à humanidade inteira porque nos faz respirar”
30-05-2019 - 23:19
 • Ana Catarina André

Na véspera de deixar o cargo de diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, António Pimentel criticou “as condições limite” da instituição e revelou que irá dedicar-se à carreira académica.

António Pimentel deixa esta semana a direção do Museu Nacional de Arte Antiga (MNNA), em Lisboa, porque “as condições que já eram escassíssimas foram-se erodindo até ao limite” – o museu ficará sem 14 de 67 funcionários até ao fim do ano. Ainda assim, o historiador e académico continua com esperança. “O país apercebeu-se finalmente da importância [histórica e cultural] que aquela casa poderia ter. Isso ganhou uma escala que a seu tempo irá pressionar a mudança, o que significa que [ao longo destes anos] a equipa não foi sacrificada em vão”, disse à jornalista Maria João Avillez, no âmbito da iniciativa "E Deus Nisso Tudo", que decorre semanalmente na igreja do Campo Grande, em Lisboa. “Não é por acaso que o país se levantou para pôr o [quadro do pintor Domingos] Sequeira no lugar certo”, sublinhou, referindo-se à campanha que permitiu ter ‘A Adoração dos Magos’ no acervo do MNAA.

Apesar de confiante, António Pimentel não descurou as críticas à falta de meios da instituição. “Os museus clássicos, como o Louvre, o Prado, o MNAA, são estruturas dispendiosas”, notou. “Nos museus dos países sérios os custos são evidentemente sérios.” Em Portugal – sublinhou – “são residuais”.

Da universidade de Coimbra ao Museu Grão Vasco

Ao longo de uma hora, António Pimentel falou sobre a sua carreira e a sua relação com Deus. Começou por contar que a escolha da licenciatura foi pacífica. “Sempre gostei de história, mas era o objeto artístico que gostava mais de questionar”, contou. Depois de ter trabalhado, durante vários anos, na Universidade de Coimbra, onde assumiu diferentes cargos, foi convidado para dirigir o Museu Grão Vasco, em Viseu, em 2009, uma casa que qualifica como “uma pequena joia”. “Foi uma libertação [naquela altura]”, disse, referindo-se ao “trabalho de governança” que o rodeava anteriormente em Coimbra.

Menos de um ano depois, apareceria o convite para o MNAA. “Assustei-me muito”, confessou. “Sendo um académico que entretanto já tinha começado a trabalhar na parte prática da gestão, não podia dizer que não queria dirigir o primeiro museu nacional.” Chegado a Lisboa, concentrou-se primeiro em “dois patrimónios”: o acervo do museu e a equipa que nele trabalhava. “É assim que se cria a marca.” E acrescentou: “Um museu sério é um território de criação permanente onde se reúnem objetos considerados paradigmáticos e dignos de serem preservados e mostrados pela sua excecionalidade”. Quando se entra num museu, temos “uma espécie de consciência inconsciente – e passo a repetição – de que temos o direito a sermos surpreendidos”. E esclarece: “É para isso que o museu serve”.

A arte e a criação artística entram no domínio dos afetos, sublinhou António Pimentel, que revelou que irá dedicar-se à carreira académica, assim que deixar as atuais funções. “A beleza é essencial à humanidade inteira porque nos faz respirar. Isto explica até a relevância económica e cultural da arte porque, para que a humanidade possa continuar a taxa de esforço que é rentável do ponto de vista económico e financeiro, precisa de carregar baterias e nós carregamos baterias no domínio dos afetos”, afirmou. A arte – continuou – permite-nos “um tempo de pausa”, fundamental “às comunidades hoje tão fraturadas”.

O historiador contou também que tem uma relação individual com Deus, mas salientou: “Como historiador tenho noção do que é a religião enquanto fenómeno coletivo e enquanto fenómeno individual.” Ainda que a fé lhe tivesse sido transmitida pela família, revelou que encontrou Deus “pensando pela própria cabeça”. “Sou convictamente crente”, reiterou.

Com o fim da conversa a aproximar-se, Maria João Avillez questionou: “Acha que quando Caravaggio ou Piero Della Francesca pintavam, estavam a falar com Deus?” Sem hesitar, António Pimentel constatou: “Não sei se estavam a falar com Deus, mas Deus estava certamente a falar com eles”.

Para a semana, Maria João Avillez recebe Leonor Beleza. A presidente da Fundação Champalimaud e conselheira de Estado é a última das convidadas do ciclo da iniciativa "E Deus Nisso Tudo".