Em 2009, o Brasil venceu a Taça das Confederações e os jogadores festejaram e rezaram. Mas não se limitaram a rezar. Alguns, incluindo a estrela Kaká, envergaram t-shirts com mensagens religiosas durante os festejos. Para alguns, foi religião a mais em campo e a federação dinamarquesa queixou-se à FIFA, que pediu, pro sua vez, aos brasileiros para serem mais contidos.
A FIFA proíbe expressamente qualquer manifestação de carácter político por parte dos jogadores nas suas provas, mas as regras para manifestações religiosas são mais relaxadas. Mostrar uma mensagem religiosa durante a celebração de um golo, por exemplo, é proibido, mas não há nenhuma regra que impeça um jogador de se benzer ou de se ajoelhar para rezar.
Não há regra proibitiva nem deve haver, insiste o jornalista colombiano César Mauricio Velásquez, autor do livro “Futebol com Alma”. De passagem por Portugal, o autor encontrou-se, esta terça-feira, com jornalistas, a convite do gabinete de imprensa da Opus Dei, em Lisboa.
“A FIFA não devia intervir e deveria primar pelo direito à consciência de se manifestarem as suas crenças. Se a manifestação de uma crença não incomoda, não agride o outro, para quê proibir? É como quando numa praça pública há um crucifixo. Esse crucifixo não faz mal a ninguém, porque é que se há de retirar?”, questiona.
“Se desde criança rezas de manhã e te benzes quando te levantas ou treinas, porque é que quando chegas ao futebol profissional te dizem que não o podes fazer aqui? Porquê? Não há nenhuma explicação. É a isto que chamamos falsos moralismos, não há liberdade. Deve haver uma abertura a essas manifestações culturais, religiosas e pessoais, e não proibição”, insiste.
Em “Futebol com Alma” o autor, adepto confesso do desporto-rei, conversa com várias figuras ligadas ao mundo do futebol, incluindo jogadores, dirigentes e até com o Papa. “Era necessário resgatar o valor mais humano dos jogadores e recuperar histórias que possam ajudar as novas gerações nas suas vidas profissionais e pessoais”, explica. Francisco admitiu que deve ser o Papa “mais futebolista da história”, mas disse também que é “o mais pecador”.
Apostas que matam
O futebol em geral - e Portugal está longe de ser exceção - vê-se, nesta altura, ameaçado por situações de violência e corrupção. São duas realidades que, por vezes, até caminham juntas, como o próprio autor aprendeu em 1994, quando o seu amigo de infância Andrés Escobar, defesa da seleção colombiana, foi assassinado a tiro.
“Crescemos no mesmo bairro, sempre fomos amigos. Falei com ele dois dias antes de ter sido assassinado. Ele fez um autogolo no jogo com os Estados Unidos, sem querer. Enganou-se. Cometeu um erro e a Colômbia foi eliminada. Dias depois de voltar à Colômbia, mataram-no.”
“Quem é que o matou? Os apostadores que acreditavam que ele tinha feito o autogolo para favorecer outros que tinham apostado na derrota. Deram-lhe seis tiros quando saía de um bar. Tinha 27 anos”, recorda.
Durante 15 anos, César Velásquez não voltou a ligar ao desporto, até ao dia em que Santiago Escobar, irmão do jogador assassinado, o desafiou a ir novamente a um estádio. “Ainda não recuperei todo o amor que tinha pelo futebol”, diz.
“Conto esta história porque há coisas que se podem evitar. Na Colômbia, muitos tentaram encontrar responsáveis por este assassinato. Diziam que tinha sido este jornalista, porque fez um comentário a sugerir que talvez ele tivesse sido pago para fazer aquilo, ou aquele político, porque depois da eliminação esteve sempre a falar mal da seleção. A procura por culpados por erros no desporto pode acabar por encorajar os criminosos”, avisa, em resposta a uma pergunta sobre a invasão à Academia de Alcochete e a agressão de jogadores, por parte de adeptos do Sporting, em maio.
Velásquez chegou a ser secretário de imprensa da Presidência e embaixador da Colômbia na Santa Sé, mas é jornalista de formação, tendo trabalhado vários anos na área. Alerta os seus colegas da imprensa da responsabilidade que têm neste campo: “Somos protagonistas de todos os desportos, especialmente a rádio e a televisão, porque a rádio e a televisão são meios de comunicação que afetam diretamente o estado de espírito de quem ouve ou vê. Quando se trata do futebol ou do desporto, o que um jornalista faz, escreve, diz ou transmite, tem influência entre grupos de adeptos, para o bem e para o mal.”
“Transmitir emoção, sim. Mas não ódio. Transmitir alegria no triunfo, tristeza na derrota, sim, mas sem ódio. Analisar o trabalho de um jogador ou de um árbitro, sem confundir o desempenho com a pessoa”, afirma o autor e adepto colombiano.