“Não vamos comentar assuntos internos de outra federação”. Esta foi a resposta de uma fonte oficial da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) às questões da Renascença a propósito do escândalo que envolve Luis Rubiales, presidente da Federação Espanhola de Futebol (FEF), e o impacto que poderá ter na candidatura conjunta ao Mundial 2030.
A ideia de uma proposta conjunta surgiu em 2018 e tornou-se oficial em outubro de 2020, quando Fernando Gomes e Luis Rubiales assinaram um protocolo no Estádio de Alvalade, em Lisboa, antes de um amigável entre as duas seleções. Um projeto que, desde então, acrescentou a Ucrânia e Marrocos como organizadores.
A FIFA vai escolher quem organizará a prova num congresso em 2024 e a polémica em torno do beijo do presidente da Federação Espanhola a Jenni Hermoso, jogadora campeã do mundo, pode afetar a credibilidade do projeto, que enfrenta forte concorrência da proposta sul-americana do Uruguai, Argentina, Chile e Paraguai.
Para além do silêncio da FPF, a secretaria de Estado do Desporto também não se mostrou disponível para responder às questões da Renascença a propósito das consequências do caso para candidatura conjunta.
O silêncio da Federação Portuguesa de Futebol é lamentado por Miguel Poiares Maduro, antigo membro do Comité de Governação da FIFA.
"[A Federação] poderia dizer um pouco mais do que isso, embora compreenda a preocupação por ter essa candidatura conjunta e tem de ter relação com alguém que continua a ser o presidente da Federação espanhola. Poderia aproveitar para exprimir a sua preocupação e anunciar o que é que a FPF tem ou pode vir a criar na direção dos direitos das mulheres", começa por dizer, à Renascença.
"Poderia ter usado a oportunidade para não comentar casos concretos, mas dizer que tem uma grande preocupação nos casos de abusos sexuais, que tem políticas que facilitem denúncias, que sancionam quem esteja envolvido. Até devo dizer que o Conselho de Disciplina sancionou no único caso. Gostaria que a FPF tivesse feito até mais do que isso e tivesse um plano - como as empresas e agora a Igreja Católica tem vindo a desenvolver - de promoção da denúncia destes casos e uma comissão independente que avalie os casos. Suspeito que vamos descobrir mais casos", lamenta.
Poiares Maduro acredita que a postura da Federação "sabe a pouco" e reflete a "forma como, infelizmente, o desporto trata destes temas que os pode afetar na reputação".
Impacto pouco claro no Mundial 2030
Com dinâmicas e interesses próprios, as eleições dos anfitriões dos Campeonatos do Mundo levantam habitualmente questões na ética da votação. Nesse sentido, Poiares Maduro acredita que "é difícil fazer a avaliação" do impacto do escândalo de Luis Rubiales na candidatura ibérica.
"Quem faz a escolha são os presidentes das federações. É possível que alguns responsáveis da FIFA fiquem preocupados com questões reputacionais. Mas sabemos que, infelizmente, as decisões na FIFA são tomadas por outras razões", afirma Miguel Poiares Maduro.
O antigo membro da FIFA, que esteve no organismo entre 2016 e 2017, gostaria que casos como o de Luis Rubiales "ganhassem uma dimensão pública tal que se transformassem numa forma de escrutínio das próprias organizações".
"Normalmente, os órgãos que governam o futebol decidem com grande opacidade e sem preocupação do escrutínio internacional. Depois do escândalo do Qatar, a FIFA anunciou a organização do próximo evento na Arábia Saudita", exemplifica.
Varrer para debaixo do tapete é a norma
O antigo membro da FIFA e também antigo ministro lamenta que a "própria cobertura mediática não dê atenção suficiente" a este tipo de problemas, o que leva à sensação de impunidade das instituições.
"Acabam por enterrar debaixo do tapete. Dão uma resposta no imediato que parece que estão a fazer algo, mas na prática não abordam os temas de forma séria", explica Poiares Maduro.
De regresso ao caso de Rubiales, Poiares Maduro explica que o desporto é "uma área muito suscetível a abusos de todo o tipo, como mentais e sexuais".
"É uma área com muitas relações de poder. Há muitas alegações e muito pouca investigação. O que nos chocou deste caso foi ele fazer isto em público e só podemos imaginar a cultura vigente no privado. O que vemos é, provavelmente, uma consequência disso. Acha que vive numa impunidade", aponta.
Demissão na mão da FIFA
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, já assumiu que o “pedido de desculpas não foi suficiente” e há vários pedidos para a demissão de Luis Rubiales, que já marcou uma assembleia-geral extraordinária para esta sexta-feira.
Poiares Maduro acredita que a demissão só vai acontecer se a FIFA quiser: "Não sei qual é o peso do Luis Rubiales na FIFA. Mas de forma cínica, conhecendo como funcionam as organizações, acho que só sairá se assim a FIFA o entender que é melhor do ponto de vista reputacional para a própria FIFA."
"Se sair é por esse motivo e não por mecanismos de escrutínio da própria federação espanhola, que deveriam ser os primeiros a atuar", aponta, antes de concluir: "Rubiales já deveria estar suspenso, parece-me óbvio."