“Um barril de pólvora”. Distribuição dos fundos comunitários deixa técnicos florestais pessimistas
31-07-2017 - 10:00
 • Cristina Nascimento

Estado português deixa várias dezenas de projectos de valorização da floresta sem fundos comunitários.

Os técnicos florestais estão pessimistas após a divulgação dos resultados da distribuição de fundos comunitários para o sector, no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 (PDR 2020). Um pouco por todo o país foi ditada a sentença para milhares de hectares de floresta. Ao fim de um ano e meio de espera, para muitos a resposta foi: não há “dotação orçamental” para aprovar o projecto.

É o caso de Pedro Gomes, engenheiro florestal e funcionário da associação Secretaria de Baldio de Trás-os-Montes e Alto Douro. Só nesta associação lançaram 33 projectos, correspondente a cerca de 1.300 hectares em áreas como Montalegre, Boticas, Chaves, Vila Pouca de Aguiar, Vila Real e Amarante, e nem um foi aprovado.

“É uma frustração enorme”, diz Pedro Gomes, que perante o desalento escreveu uma carta aberta na rede social facebook, expondo as razões do seu desânimo. Não é só por ver “milhares de horas gastas” em vão. É também por perceber que estão a ser desperdiçadas oportunidades para recuperar a floresta e fixar pessoas no interior.

“A nível florestal, quem está no terreno são pouquíssimas pessoas e estão completamente abandonadas no meio rural”, descreve. Este engenheiro florestal garante que não faz sentido a forma como a floresta está a ser pensada e queixa-se que, quem anda no terreno, não tem quem os oiça.

“Não existe gente do Estado, está tudo concentrado em Lisboa, não ouvem as pessoas e a mim dá-me quase vontade de lhes dizer que como não aprovaram estes projectos, então venham ver ao terreno o que é que eles acabaram de fazer”, desabafa.

Incêndios que podiam ser evitados

Os projectos que foram a concurso serviam para financiar várias intervenções, entre as quais limpeza da floresta e realização de aceiros. Com tanto tempo de espera e com tantos projectos por financiar, o medo também é que grandes incêndios como os que têm acontecido este Verão, voltem a acontecer.

"Ninguém se pode admirar com uma coisa destas [fogos]. Não tem havido investimento. Se a intervenção que estava prevista era para melhoria dos caminhos, abertura dos aceiros, limpeza e desramação das árvores, qualquer técnico florestal lhe vai dizer que esse povoamento estaria em melhores condições de resistir a qualquer situação de incêndio”, garante, acrescentando que só na zona abrangida pela associação onde trabalha “vários projectos arderam” enquanto esperava uma resposta.

Pedro Gomes mostra-se também indignado com a desproporção de investimento que existe, quando comparado com as verbas gastas no combate às chamas.

“Uma hora de um helicóptero kamov custa 35 mil euros. Eu pergunto-me: será que a maioria das pessoas tem a noção de que uma equipa de sapadores anual que dá emprego a cinco famílias no meio rural custava o mesmo que uma hora de helicóptero kamov? Isto faz sentido? Uma manhã de um helicóptero kamov dá emprego a cinco famílias, durante cinco anos”, sublinha.

Esperar, esperar, (des)esperar

Mais a sul, no Alentejo, o desânimo é semelhante. Fernando Alves é técnico florestal numa empresa de prestação de serviços florestais, com uma área de intervenção entre o Baixo Alentejo e o nordeste algarvio.

Na sua empresa submeteram 25 projectos e apenas quatro foram aprovados.

“O investimento na floresta está a ser residual. A operação cujos resultados foram conhecidos agora [Melhoria da Resiliência e do Valor Ambiental das Florestas] tinha uma dotação de 21 milhões e meio de euros: nove milhões para as novas candidaturas e 21 milhões para as candidaturas que tinham sido submetidas ao abrigo do anterior quadro comunitário e que transitaram para este concurso”, explica. O problema, garante, é que houve um interregno de quase dois anos para a aprovação de projectos e por isso o número de candidaturas foi muito superior.

Investimento de 20 anos em risco

Fernando Alves receia pelo futuro de uma área que começou a ser planeada há 20 anos.

“Esta foi das zonas mais florestadas na década de 90, início de 2000. Foram plantados milhares de hectares de pinheiro manso”, explica, transformando uma área que era de agricultura em floresta.

“O argumento usado foi que os solos ficaram esgotados com a campanha cerealífera e ficaram empobrecidos. Uma forma de recuperarmos o solo era fazer plantações com pinheiro manso que é uma espécie muito resistente e com a lenta decomposição das agulhas, fazem com que exista uma recuperação do solo”, descreve.

No entanto, a floresta não tem o tempo dos homens. “Não podemos abandonar o processo a meio. Estamos a falar de uma floresta que demora a crescer”, recorda.

“Findos estes 20 anos é preciso fazer intervenções, sobretudo operações de desbaste para reduzir a carga combustível nesses povoamentos florestais”, diz Fernando Alves, acções que seriam financiadas pelos projectos que agora não têm como sair do papel.

“Estamos a falar de pessoas já de uma certa idade, algumas já reformadas, que há 20 anos assumiram esse compromisso. Se não houver apoio, o que pode acontecer é abandono e um aumento muito grande do risco de incêndio”, garante Fernando Alves.

"São povoamentos que estão a ser abandonados, não estão a ser desramados, não estão a ser desbastados, têm densidades em que as copas dos pinheiros tocam-se umas nas noutras, têm continuidade vertical e horizontal de combustível. Pode estar a tornar-se um barril de pólvora… basta haver uma ignição e os incêndios podem tomar grandes proporções", receia.

Números oficiais

De acordo com a documentação tornada pública no site do PDR 2020, só na operação 8.1.5 - Melhoria da Resiliência e do Valor Ambiental das Florestas foram apresentadas 624 candidaturas, das quais mais de metade (374) ficaram pelo caminho. Não está ainda tornada pública a lista final com a classificação atribuída a cada um dos projectos, nem a sua hierarquização, informação que as autoridades esperam divulgas nas próximas semanas.

Segundo a Autoridade de Gestão do PDR 2020, os titulares de projectos que não conseguiram agora financiamento podem fazer nova tentativa em dois outros concursos que estão actualmente abertos. No entanto, nem todos estarão em condições de transitar, uma vez que houve alterações, por exemplo, ao nível do tipo de espécies plantadas nos terrenos elegíveis para as candidaturas agora abertas.