​Por detrás do Nautilus
18-06-2018 - 08:33

Os media tendem a dar notícias sobre as migrações quando algo sensacional acontece. E quando reportam sobre migrantes ou migrações, geralmente trata-se de más notícias.

Foi isso que vimos nos últimos anos, com largas centenas de milhares de refugiados da guerra da Síria, a demandarem a Europa pelo seu flanco sudeste. Foi e continua a ser também isso que tem levado outras centenas de milhar de migrantes “económicos” que tentam a sua sorte pelo Mediterrâneo, vindos da miséria de muitos países africanos que o capitalismo ocidental explorou nos últimos séculos.

Foi de novo isso que vimos na semana transacta com o navio Nautilus, a ser empurrado de anás para caifás, por ninguém querer receber as 629 pessoas (sim, pessoas!) que nele viajavam. Foi a Espanha, com novo governo mais sensível ao drama dos migrantes, a assumir o seu acolhimento “por razões humanitárias”. Sim, porque a União Europeia, movida cada vez mais pelos ventos populistas, procura varrer o lixo para o quintal do vizinho, nem que para tal tenha de pagar a quem lhe possa fazer o serviço.

Os africanos do Nautilus, pelo menos não morreram afogados, como continua a acontecer a milhares de outros. Mas não é seguro o que os espera, até porque a UE continua manietada pelas suas contradições nesta matéria.

Mas não só contradições. No início deste mês, o jornal italiano Avvenire, tal como alguns outros meios de informação, alertavam para o papel pouco claro das políticas da UE, de contenção dos candidatos a imigrantes a sul da Líbia e sobretudo da Argélia. Os relatos da Organização Internacional das Migrações, a partir das suas bases de acolhimento em Agadez, no Níger, por exemplo, dão conta de práticas absolutamente inomináveis de autêntica ‘caça ao negro’ por parte das autoridades dos países do Magreb. Violências, violações, abandono de “carregamentos de pessoas” no deserto, em pontos dos quais o local mais perto a pé só pode ser para sul, caso as pessoas resistam à fome, à sede e ao calor.

Há quem chame ao Níger a fronteira sul da Europa e, de qualquer modo, parece ser ali que se está a fazer aquele que também já foi chamado “laboratório das políticas migratórias da União Europeia”. Mas sobre esses bastidores dos “acontecimentos” o silêncio é ensurdecedor.