Falta sentido de Estado
08-08-2020 - 13:23

Foi inaceitável a ligeireza e a falta de sentido de Estado e até de mera civilidade com que o primeiro-ministro desautorizou publicamente a DGAV. Desarticular este organismo, em vez de o apoiar financeiramente, pode revelar-se desastroso.

Quando morreram queimados inúmeros animais num canil ilegal, a opinião pública nacional escandalizou-se, com razão. O primeiro-ministro afirmou na Assembleia da República que, “quanto à orgânica do Estado temos de repensar, porque a Direcção-Geral de Veterinária (DGAV) não está feita para cuidar de animais de estimação.”

Mas não repensou nada, pois nessa mesma frase logo adiantou que a DGAV “não revela capacidade para se adaptar à nova legislação que impede o abate de animais”. Foi uma reação impulsiva e populista de António Costa, a fazer lembrar... Trump (algo que me pareceria impossível até agora).

Não admira que, vendo-se assim desautorizado, o diretor-geral de Alimentação e Veterinária, Fernando Bernardo, tenha imediatamente apresentado a sua demissão à ministra da Agricultura, que – pelo menos em público – não disse uma palavra sobre o incómodo assunto.

Mas a decisão repentista do primeiro-ministro foi severamente criticada por uma posição conjunta de 14 associações do sector agroalimentar. Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) tomou posição crítica semelhante, chegando a apontar a possibilidade de estar à vista a extinção do ministério da Agricultura.

Foi por ter lido na comunicação social estas e outras tomadas de posição que me atrevo a abordar este assunto, apesar de saber muito pouco sobre agricultura e de já terem passado alguns dias sobre o caso. Simplesmente, julgo inaceitável a ligeireza e a falta de sentido de Estado e até de mera civilidade com que o primeiro-ministro desautorizou publicamente a DGAV e tenciona empurrar para o ministério do Ambiente a tutela dos animais de companhia. Logo um ministério cuja passividade face aos desafios ecológicos suscita frequentemente o desagrado dos ambientalistas.

Por outro lado, num artigo do Prof. João Niza Ribeiro, da Universidade do Porto, no “Público” do passado dia 5, aprendi que, afinal, a DGAV zela pelos meus interesses de consumidor, sobretudo – mas não só - ao controlar a qualidade sanitária da cadeia alimentar. O que é um contributo precioso para a saúde pública, para o turismo e para a aceitação de produtos agropecuários portugueses em muito países para onde são exportados.

Escreveu o Prof. J. N. Ribeiro: “a DGVA é uma organização com muitas funções, mas com uma coerência organizacional e funcional aperfeiçoada ao longo de décadas (...). Responde às necessidade do país, aos compromissos comunitários do Estado português e aos modelos internacionais de boa governança. O que não responde às necessidades do país é o modelo de financiamento que, sendo cronicamente insuficiente e manifestamente inadequado, impede a DGAV de desempenhar plenamente a sua função”.