As crescentes desigualdades nas economias de mercado atingiram um ponto que começa a preocupar os defensores dessas economias, como é o meu caso (nas economias coletivistas as desigualdades são provavelmente ainda maiores). Os impostos são um instrumento, não o único, claro, para atenuar essas desigualdades.
O Presidente Biden afirma querer que o célebre 1% da população mais rica pague a maior parte do seu plano de estímulo social e combate à pobreza. Para isso propõe subir o que em Portugal corresponde ao IRC e ao imposto sobre mais-valias. Os opositores (republicanos) tentam travar esta reorientação da justiça fiscal.
Nos anos 50 e 60 do século passado os ricos pagavam, nos EUA, taxas de imposto bem mais altas do que aquelas que agora pagam. E a economia americana nem por isso deixou então de crescer a ritmo notável.
Uma parte da tendência recente que favorece fiscalmente os ricos tem a ver com o facto de muitos milionários terem sobretudo rendimentos da Bolsa. Sobre as mais-valias obtidas na compra e venda de ações recai, nos EUA como em Portugal e noutros países da UE, um imposto liberatório (ou seja, único). Um contribuinte da classe média paga geralmente uma taxa superior a esse imposto, nomeadamente no IRS, sobre rendimentos do trabalho.
Os impostos em Portugal são hoje muito pesados sobre rendimentos que noutro país da UE seriam considerados de uma classe média baixa ou mesmo muito baixa. Em 2020 o trabalhador português com um salário médio e sem filhos levou para casa 72,6% do seu salário bruto e o Estado ficou com 27,4% em IRS e Taxa Social Única (contribuição para a Segurança Social). Em Espanha o trabalhador médio leva para casa 78,9% do salário bruto, entregando os restantes 21,1% ao Estado espanhol na forma de impostos (14,8%) e de contribuições para a Segurança Social (6,4%). Ainda há a considerar o apreciável peso dos impostos indiretos em Portugal, como o IVA, impostos em que o pobre paga o mesmo do que o rico, o que não é justo.
Por isso aumentar os impostos em Portugal, que alguns defendem, seria uma medida antissocial. Fez bem o ministro das Finanças ao excluir essa possibilidade. E é uma fantasia esperar que “os ricos paguem a crise”, por dois motivos: são poucos os verdadeiramente ricos existentes no país; e é enorme a evasão fiscal, a fuga aos impostos, muito acessível aos ricos.
Não faltam paraísos fiscais e “off-shores” simpáticos para pagar menos impostos do que os devidos por lei. Nem é preciso procurar sítios exóticos. Nos EUA, por exemplo, o Estado do Delaware é, na prática, um paraíso fiscal. E no Reino Unido temos a ilha de Jersey, além de “off-shores” ligados a Londres, como as Ilhas Virgens, as Ilhas Caimão e as Bermudas.
Por alguma razão se têm multiplicado, nos últimos anos, as multas a bancos europeus, acusados de negligência ou mesmo de crime na área da lavagem de dinheiro.
Na UE são conhecidos os países onde as empresas pagam impostos baixos – Irlanda, Países Baixos e Luxemburgo. E ainda há a facilidade com que as grandes multinacionais desviam rendimentos internamente, declarando-os nos países de IRC mais baixo e não no local onde esses lucros foram gerados. A presidência portuguesa da UE terá obtido um acordo de princípio determinando que os impostos devem ser cobrados no país onde foram obtidos os rendimentos. É um primeiro passo.
O Presidente Biden e a sua ministra das Finanças (Treasury secretary), Jannet Yellen, desafiaram a UE para um pacto que permita aos países europeus aumentarem os impostos sobre gigantes tecnológicos com a Apple ou o Facebook. Note-se que são americanas quase todas essas empresas.
Por outro lado, a presidência portuguesa do Conselho da UE apresentou uma proposta com vista a reabrir a discussão do imposto sobre as transações financeiras, na gaveta há uma década. Na falta de um acordo unânime em torno da proposta original da Comissão, de 2011, onze Estados membros decidiram avançar com este imposto no modelo de “cooperação reforçada”, segundo o qual um certo grupo de Estados membros pode avançar sem ter que esperar pelos outros. No entanto, nunca se concretizou essa “cooperação reforçada”, tendo alguns países decidido avançar isoladamente.
Veremos se antes do fim de junho teremos notícias sobre este assunto. Perante os enormes obstáculos a uma justiça fiscal efetiva, a cooperação no quadro da UE mostra-se indispensável.