O Parlamento condenou a criação de um museu dedicado a António Salazar no Vimieiro, concelho de Santa Comba Dão, onde nasceu o ditador. Mas o coordenador do projeto e a autarquia garantem que se trata de um centro interpretativo sobre o Estado Novo.
O projeto prevê a criação de uma rede de cinco centros interpretativos, referentes à história do século XX.
A vontade de construir um centro interpretativo do Estado Novo remonta a 1990, assumida pelos sucessivos autarcas e agora nas mãos da Associação de Desenvolvimento Local (ADICES).
O seu coordenador João Figueiredo revela que "o espaço da Escola Cantina Salazar sempre foi respeitado, está em ótimo estado de conservação e tem uma particularidade: tem um anexo onde ficavam os agentes da PIDE, que acompanhavam o presidente do conselho quando vinha a Santa Comba Dão".
"Enquadra-se naquilo que queremos mostrar na verdade histórica do que existiu", reforça o responsável da ADICES, associação criada em 1991 e que abrange os municípios de Águeda, Carregal do Sal, Mortágua, Santa Comba Dão e Tondela.
João Figueiredo prefere não adiantar para já qual o valor total do investimento nesta rede de centros interpretativos, mas não tem dúvidas de que o projeto seria uma mais-valia para toda a região que sofre com o despovoamento, garantindo que, por estes dias, ganhou mais força para continuar com o projeto.
“Gostava de ver muitas das pessoas que criticam este projeto, ao lado destes autarcas que lutam diariamente por manter as suas terras vivas e mais atrativas. Fala-se muito nos territórios de baixa densidade, mas depois como estes projetos equilibrados não são em Lisboa ou no Porto, obviamente que deixam-nos morrer e isso dá-nos ainda mais força para lutar”, declara.
Santa Comba Dão não vai ser a única localidade a ter um centro interpretativo. Estão ainda previstos o Centro Interpretativo do Holocausto em Cabanas de Viriato, o Centro Interpretativo da Instância Sanatorial do Caramulo, e os Centros Interpretativos da I República em Penacova e em Seia.
Ideia não é expor “o pincel da barba ou as botas” de Salazar
O presidente da Câmara de Santa Comba Dão, Leonel Gouveia, insiste que nunca será feito um Museu Salazar. “As pessoas que estão contra utilizam deliberadamente a expressão Museu Salazar para dar a entender que aquilo que se vai fazer é um espaço de celebração da figura e defesa desse período e a ideia é que não tenha nenhum objeto pessoal de Salazar. O objetivo é um centro histórico, que relate a história recorrendo às novas tecnologias de multimédia e nunca um espaço onde fique o pincel da barba ou as botas”, explica o autarca, que lamenta ainda que seja totalmente adulterado aquilo que vai ser feito.
“As pessoas não querem ouvir. É um burburinho que não tem razão de ser. É um equívoco propositado”, alerta. Para Leonel Gouveia, "a designação tem o objetivo de clarificar que aquilo que se pretende fazer não é um museu do Salazar com objetos do ditador, mas um espaço que conte todos os acontecimentos do Estado Novo: a prisão, a PIDE, relatando a história desse período”, conclui, realçando que "no caso concreto de Santa Comba Dão vão começar em breve as obras de requalificação do edifício da Escola Cantina Salazar, com a substituição da cobertura, limpeza da pedra, etc".
O autarca socialista Leonel Gouveia confessa que ficou desconfortável com a votação no Parlamento contra a criação do espaço museológico. “Fomos apanhados de surpresa, não posso deixar de referir que fiquei surpreendido com a orientação de voto do Partido Socialista. Sou presidente de Câmara eleito nas listas do PS e para mim é muito desconfortável aceitar este tipo de votação do Partido Socialista. Todos os grupos parlamentares foram informados do que estava em causa e teria sido correto retirar este ponto da votação e chamar a ADICES e a equipa de investigadores, e os autarcas para os ouvir”, sublinha Leonel Gouveia.
Também o historiador João Paulo Avelãs Nunes do CEIS20 - Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, da Universidade de Coimbra, não entende a polémica relacionada com o projeto apresentado publicamente no passado dia 17 de julho, em Penacova, na presença do Presidente da República.
“A opinião do CEIS20, como unidade de investigação da Universidade de Coimbra e que será consultora do projeto, é que não ajuda à democracia utilizar a história como arma de arremesso. Se uma determinada entidade se propõe fazer uma iniciativa que pretende ser explicativa, interpretativa e contextualizadora e se houver garantias dadas de que há seriedade, empenhamento e de que não vai haver negacionismo nem branqueamento do Estado Novo, nem louvor do Salazar, não consigo entender o problema. Pelo contrário achamos que é uma iniciativa positiva e por isso aceitamos ser convidados para ser consultores destes projetos”, assume o investigador.
Entre os habitantes de Santa Comba Dão que aceitaram falar, o centro interpretativo é bem-vindo. António Silva, 56 anos, diz que “a polémica é das pessoas que não são de cá”. Já José Luís, 64 anos, “socialista ferrenho”, conta que, quando ligam para a sua loja, "digo sempre que é da terra do Salazar”. Dolores Gonçalves, 60 anos, defende que, “se for um centro interpretativo, um espaço de estudo com o grupo de Coimbra que é acima de qualquer suspeita, está a favor” e Edite Santos, 63 anos, acha que o facto de existir um centro de estudos “permitirá que o que resta do espólio não se degrade”.