Dá “muito trabalho” ao maçon Henrique Monteiro explicar que não é católico
10-12-2015 - 21:14
 • Eunice Lourenço

Na Conversa sobre Deus desta semana, o jornalista e escritor Henrique Monteiro explicou porque é que não é católico, mas defendeu uma visão crente do mundo e as raízes cristãs da Europa.

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Um dia, à mesa, em casa de Maria João Avillez, como se pedisse “passa-me o vinho” ou “dá-me o pão”, Henrique Monteiro disse “Eu pertenço à maçonaria”. A história foi contada pela anfitriã na sessão desta semana das Conversas sobre Deus, em que o jornalista e escritor se assumiu como crente, contou como foram “ínvios” os seus caminhos até Deus e mostrou um conhecimento vasto da Bíblia.

Numa hora de conversa interessante e, em muitos momentos, divertida, Henrique Monteiro começou por deixar bem claro que não é católico, pelo que “muitas coisas” lhe “passam ao lado”. Não sabia, por exemplo, que o Jubileu da Misericórdia tinha começado na véspera. Mas, acrescentou: “A maior parte das vezes dá tanto trabalho explicar porque não sou católico que digo que sou.”

Ali, na Capela do Rato, frente a católicos, considerou, contudo, que tinha a audiência certa para explicar porque é que não é católico. E não é porque há “coisas” da doutrina católica em que não consegue acreditar “no fundo do coração”. Coisas como a transubstanciação ou a virgindade de Maria.

“Uma pessoa para ser católica tem de acreditar profundamente na transubstanciação”, disse peremptório, definindo-se como crente. “Sou crente porque acredito num princípio criador, num ser supremo, num Deus que criou o céu e a terra e acredito que esse princípio criador deu livre arbítrio às pessoas”, afirmou Henrique Monteiro, que é também colaborador da Renascença, no programa Conselho de Directores, às quintas-feiras.

Citando António Machado – “Quem fala com Deus nunca anda só” – e Jesus Cristo – “Há muitas moradas em casa de meu Pai” – Henrique Monteiro assumiu que fala com Deus – “se isso é rezar, eu rezo” - mesmo não sabendo se o Deus com que fala “é o Deus certo”. Mas pensa que sim, porque acha que só há um; há é várias formas de falar com Ele.

A defesa da Europa cristã

Nascido numa família de maçons, Henrique Monteiro foi baptizado porque a sua avó Julieta se impôs e disse que o seu neto teria de ser baptizado. Educado no Colégio Moderno também não foi por lá que o seu caminho se cruzou com Deus.

“São ínvios os caminhos do Senhor e os meus foram bastante ínvios”, contou o ex-director do Expresso, relatando, então, dois momentos desse caminho.

Um, na adolescência, quanto tinha um grupo de rock, onde era o teclista, e precisavam de um local para ensaiar. Foram pedir ao padre Mário que estava no Lumiar. E, um dia, o padre Mário apareceu lá no ensaio, virou-se para ele e disse “Tu tocas órgão, não é?” e ele lá teve de ir tocar músicas litúrgicas como “Bendita, bendita seja a divina eucaristia …” e “É o meu corpo, tomai e comei, é o meu sangue, tomai e bebei …”, que trauteou na Capela do Rato.

O segundo contacto foi nos Estados Unidos da América onde estudou. “Nos Estados Unidos, uma pessoa tem de pertencer a qualquer coisa”, explicou Henrique Monteiro, lembrando que como era português deduziram que era católico e, portanto, foi incluído no grupo dos católicos, mas também ia à “missa dos Baptistas negros porque cantavam muito bem”.

Foi, no fundo, pela liturgia que se cruzou com Deus, mas é a doutrina que o seduz e lhe causa impacto. Ainda assim considera que “a grandeza da liturgia” é muito importante em qualquer comunidade.

“Chego lá basicamente pela razão e pela filosofia”, continuou Henrique Monteiro para quem “é impossível uma sociedade não ter um valor exterior comum de referência” e “o Deus único é uma experiência de modernidade”.

“A primeira globalização é de Deus. Não havia nada universal antes da Igreja Católica”, afirmou, lamentando que a Europa tenha negado as suas raízes cristãs, até porque, como disse, foram essas raízes que a levaram a ser o que é, a acabar com usos como a escravatura ou a pena de morte.

O “condomínio” maçon

Ao longo da conversa, Henrique Monteiro foi revelando o seu conhecimento da doutrina e da Bíblia, “um dos livros mais fantásticos da humanidade, o conhecimento acumulado da humanidade”, que lamenta que não seja mais lido e conhecido por mais gente. O início do Livro do Génesis “é um dos poemas mais bonitos da humanidade” e a parábola do Bom Samaritano “é das coisas mais fantásticas da literatura”, foram dois dos exemplos que deu.

Henrique Monteiro aprecia, sobretudo, a beleza e o “conhecimento acumulado da humanidade” que encontra no Antigo Testamento. O Novo Testamento e, no fundo, o cristianismo, considera que é “a grande reforma do judaísmo”. Para o jornalista e comentador “quem inventa o cristianismo é Paulo. Faz reformas brutais.”. E, para si, a grande reforma é passar de um Deus “chefe tribal, vingador” para um “Deus cheio de amor, que todo ele é amor”.

“Gosto de um Deus que se procura e reinventa. Um Deus que se procura é um Deus cheio de amor”, continuou Henrique Monteiro, que foi depois confrontado por Maria João Avillez com a sua pertença à Maçonaria, que definiu como “uma ordem iniciática”.

“Pertenço há bastantes anos. Estou na Maçonaria porque acredito nos princípios fundadores”, afirmou, acrescentando que aquela sociedade “é um condomínio, que tem muita gente, muitas moradas, alguns malandros”. Dentro da Maçonaria, Henrique Monteiro faz parte do Grande Oriente Lusitano e, dentro desse, obedece ao “rito escocês” que definiu como “um rito crístico, crente”, que conserva muitos rituais relacionados com as tradições templárias.

“Somos tão ritualistas que as primeiras palavras que dizemos ainda são em latim”, contou Henrique Monteiro, para quem “a maçonaria pretende ser uma casa comum onde não se discute política e religião” e onde se aprende a construir, a defender e a perdoar.

O jornalista e escritor, que tem um livro em preparação, sabe que “Igreja diz que quem é maçon não pode participar na comunhão” e respeita isso, mas tem na maçonaria um dos “impulsos” que lhe fazem “reforçar a crença no transcendente”. O outro “impulso” é Luísa, a sua mulher, espanhola e católica, porque “os espanhóis não brincam em serviço, ou são ou não são; quando vão à missa é uma coisa terrível, têm de levar as pessoas atrás”.