“O piquete de greve foi substituído pelo bloqueio das estradas”
02-02-2024 - 10:27
 • Sérgio Costa , Olímpia Mairos

Na análise aos protestos dos agricultores, Henrique Raposo sublinha que, quando se fazem campanhas “para salvar o planeta, e onde se coloca essas campanhas sempre contra os mais pobres do próprio país”, está-se a entregar a democracia às forças radicais.

“O piquete de greve foi substituído pelo bloqueio das estradas”, diz o comentador da Renascença Henqirique Raposo, na análise ao protesto dos agricultores que, nos últimos dias, tem bloqueado estradas e fronteiras por toda a Europa.

Para Henrique Raposo, isto mostra “uma mudança cultural de fundo na política europeia e ocidental”.

“O velho protesto popular, simbolizado pelo sindicalismo à porta da fábrica, foi radicalmente substituído por este bloqueio: pelo trator, pelo camião, pelo carro”, assinala, realçando que tal acontece “porque deixamos de ser sociedades industriais e passamos a ser sociedades de consumo que dependem da estrada para movimentar aquilo que consumimos e que vem de outras partes do mundo”.

No seu espaço de comentário n’As Três da Manhã, Henrique Raposo alerta que “a consequência política está à vista de toda a gente”, apontando que “é o fim da velha esquerda que está a ser substituída, enquanto ponto de vazão de revolta popular, pela esta direita radical”.

O comentador observa ainda que, apesar de esta direita radical ter muitas coisas que podemos criticar e devemos criticar, “é, muitas vezes, só um protesto popular”.

“Quer o centro-esquerda, quer centro-direita, estão a esquecer-se da classe baixa e daquilo que os americanos chamam ‘working class people’”, aponta.

Raposo lembra ainda que “transformamos o ambientalismo numa questão quase de classe alta, mais urbano, com curso superior, etc., que torna muito difícil a vida de pessoas do campo”.

“Estas pessoas - quer os camiões, quer os tratores - têm carros a diesel, não vão conseguir comprar um carro elétrico e sentem as cidades a fechar-se aos seus carros”, diz o comentador, acrescentando que “os tratores são taxados, porque são a diesel”.

“Depois, têm hábitos culturais que nós achamos repelentes - a caça, a tourada - são pessoas sistematicamente alvo de um apontar de dedo moralista da nossa parte, a elite urbana”, prossegue Raposo, atribuindo também responsabilidades aos poderes políticos.

O comentador explica, por fim, que quando se está sistematicamente a fazer campanhas para salvar o planeta, e onde se coloca essas campanhas sempre contra os mais pobres do próprio país, está-se a entregar a democracia às forças radicais.