​O regresso ao futuro do PSD
01-06-2022 - 10:52

Do reformismo pré-democrático da Ala Libera à contenção do PREC, da esperança da AD à modernização na CEE e à gestão de crises alheias no século XXI, o PSD tem uma larguíssima folha de serviços prestados ao país.

Apesar de já ter votado várias vezes no PSD, não sou, nem nunca fui, militante do partido (aliás, não sou militante de nenhum). Contudo, os rumos da direita portuguesa - ou das direitas - interessam-me, como também me interessam os das esquerdas, sob o ponto de vista de saber os projetos de cada um dos campos ideológicos para o país.

O PSD, ou seja, a direita que era quase toda a direita quando só havia CDS, foi a votos para eleger o 19.º titular da mais importante cadeira da São Caetano à Lapa. A vitória de Luís Montenegro sobre Jorge Moreira da Silva não deixa margem para dúvidas (72,5% contra 27,5%). A sua maioria expressiva assegura-lhe um partido unido, ou pelo menos disciplinado, até às Europeias de 2024, talvez até ao confronto com António Costa (ou com Pedro Nuno Santos) em 2026. O “ríoismo”, se existiu, saiu de cena; mas não é ainda claro se vai haver (ou sequer se é possível haver) “montenegrismo”.

Luís Montenegro desceu do norte para a Assembleia da República em 2002, e ao norte voltou para uma candidatura derrotada à Câmara de Espinho, em 2005. Há quem lembre que foi Miguel Relvas quem o “inventou” e o recomendou a Passos Coelho. Em 2011, o nascente “passismo” escolheu-o para líder da bancada parlamentar do PSD, e Montenegro revelou-se como um dos rostos da defesa do programa de austeridade imposto pela Troika, embora com frases que não (o) ajudaram (“A vida das pessoas não está melhor, mas o país está melhor”). Perdeu as diretas contra Rio em 2020, não compareceu em 2021, ganhou em 2022. E agora, o que fazer com este triunfo?

No discurso de vitória, Montenegro anunciou “o princípio do fim da hegemonia socialista” e que o novo PSD não vai “falhar a Portugal”. Eis o que se verá. O novo líder não quis integrar as listas para o parlamento nas eleições de março passado: não estará, portanto, na Assembleia (onde estão Ventura e Cotrim) para debater com Costa quando ele por lá aparecer, e terá de liderar, à distância, uma bancada escolhida pelo líder cessante. A malha autárquica do PSD vai rareando e a boa moeda de Moedas, em Lisboa (ou de Pinto Luz, em Cascais) poderá ensombrar, mais do que ajudar. Num país onde a sociedade civil existe minguada e onde o Estado manda em quase tudo, num partido que está fora das prebendas há sete anos, a capacidade de Montenegro mobilizar será o seu verdadeiro teste. O partido que já foi de Sá Carneiro, de Cavaco e de Passos (as três lideranças mais fortes da sua história) perdeu para o PS o chamado voto dos reformados e de muitos interesses que gravitam em torno do “partido-Estado”, para a IL o voto dos liberais jovens e para o Chega o voto de uma ala conservadora. Ao não debater com Moreira da Silva, Montenegro perdeu oportunidade de dar a conhecer o seu projeto para fora, para o país, assim começando a cativar novas vozes não-socialistas, listando ideias-fortes que posicionem o partido como alternativa viável (o que hoje não é claro), e superando a crise em que ele se encontra, no marasmo de quem apenas faz prova de vida, e de quem vê, a seu propósito, discutir-se não o futuro de Portugal, mas o próprio futuro do PSD.

A democracia portuguesa não foi só obra do Partido Socialista, nem este tem direito a considerar o regime como coutada exclusiva. Do reformismo pré-democrático da Ala Libera à contenção do PREC, da esperança da AD à modernização na CEE e à gestão de crises alheias no século XXI, o PSD tem uma larguíssima folha de serviços prestados ao país. Talvez essa longa história possa ser o “roadmap” inspirador para um primo ministeriável em 2026 - começando, aliás, por contrariar a sobranceria de uma certa esquerda, que hoje afirma que a direita (já) não conta para nada.