O regresso ao (novo) normal. O que mudou com a pandemia?
25-09-2021 - 08:27
 • Joana Gonçalves , João Malheiro (texto)

O "regresso à normalidade" é, agora, a expressão mais usada para a próxima fase de desconfinamento, que começa a 1 de outubro. Mas há um antes e um depois da grande pandemia do último século. Com a luz ao fundo do túnel, a vida e o mundo serão diferentes em relação a março de 2020, quando o vírus foi detetado pela primeira vez em Portugal.

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Um ano e meio. Foi o tempo que passou desde a chegada da Covid-19 a Portugal. Depois dos primeiros casos registados, a março de 2020, a pandemia teve muitos altos e baixos, mas o seu desfecho nunca pareceu tão próximo.

O coordenador da "task force" da vacinação, o vice-almirante Gouveia e Melo, disse que Portugal "venceu a primeira batalha" contra o vírus. E na última reunião no Infarmed foi consensual que o país se aproxima do "fim da fase pandémica" atual.

O "regresso à normalidade" é, agora, a expressão mais usada para a próxima fase de desconfinamento. Mas, quando voltarmos ao normal, haverá novidades (e restrições) que há um ano e meio não existiam.

O que é que mudou entre o antes e o depois da pandemia?

Máscaras

Antes da pandemia, mais rapidamente se viam turistas a usar máscara, nas grandes cidades, do que um português. E mesmo nos primeiros tempos após a chegada da Covid-19, em Portugal, o seu uso e eficácia não eram consensuais, inclusive para a própria Direção-Geral da Saúde (DGS).

Entretanto, o uso tornou-se generalizado e as máscaras ficaram como um dos símbolos mais reconhecíveis do impacto da pandemia no dia-a-dia dos portugueses. A terceira vaga da pandemia fez mesmo com que a Assembleia da República tivesse de tornar o seu uso obrigatório ao ar livre.

Legislação essa que chegou ao fim no último domingo e que se espera que não volte a ser necessária, a não ser que haja uma nova vaga mais perigosa da Covid-19.

Mesmo assim, muitas pessoas têm dito que vão continuar a usar a máscara na rua, para se sentirem mais seguras.

Já com a pandemia ultrapassada, o uso de máscara pode tornar-se uma prática recorrente, em particular no inverno, altura em que a propagação viral é mais elevada.

Na terceira fase de desconfinamento, que começa a 1 de outubro, será obrigatório usar máscara em transportes públicos, incluindo o transporte aéreo, estruturas residenciais para idosos, hospitais, salas de espetáculos e eventos e grandes superfícies. Os alunos vão deixar de utilizar a máscara no recreio da escolas.

Desinfetante

A outra grande medida de proteção que se generalizou, em paralelo com a máscara, foi o desinfetante para as mãos, que ajuda a travar a transmissão dos vírus.

A solução de álcool e gel tornou-se rotina, tanto em uso pessoal, como comercial. Todos os estabelecimentos têm, atualmente, um dispensador com desinfetante, ou à porta, ou colocado em diferentes pontos do espaço.

Tal como a máscara, o seu uso pode tornar-se mais recorrente, em jeito de prevenção, contra outras doenças.

Medição da temperatura

Uma das primeiras medidas de prevenção que se generalizou por todo o mundo, quando ainda ninguém conseguia prever o verdadeiro alcance da pandemia, foi a medição da temperatura.

A ação preventiva já foi sugerida, pelo presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, como uma alternativa futura ao certificado, à entrada de estabelecimentos como os da restauração.

É outra prática que tem utilidade para lá do combate à Covid-19, ajudando a prevenir o contágio de outro tipo de doenças virais.

Confinamento

Há 100 anos, a gripe espanhola infetava um quarto da população mundial e deixava um rasto de mortos. Depois, surgiu o sobressalto da Gripe A, em 2009, uma espécie de antecâmara para, uma década depois, o que viria a ser a nova pandemia da Covid-19.

Quando o novo coronavírus se começou a disseminar, em dezembro de 2019, não havia muita gente que estivesse habituada a confinamentos generalizados, como medida de contenção da propagação em massa de um vírus.

Foi a realidade que Portugal teve de enfrentar em março de 2020 e, mais tarde, em fevereiro de 2021, devido à terceira vaga.

Os efeitos económicos, sociais e psicológicos dos confinamentos gerais vão continuar a ser temas de debate e análise nos próximos tempos.

E, com a possibilidade credível do surgimento de novas pandemias, o confinamento pode tornar-se uma arma rotineira para o combate de crises sanitárias semelhantes.

A Nova Zelândia já tornou este método um hábito, mal se deteta novos casos de Covid-19.

Teletrabalho

Um dos efeitos do confinamento. O teletrabalho, o ensino à distância, as videochamadas e todas as outras digitalizações de processos que ocorreram ao longo deste ano e meio não vão desaparecer tão cedo.

Apesar de algumas destas ferramentas não serem consensuais, a verdade é que as chamadas e reuniões via Zoom já se tornaram rotina para as mais diversas áreas laborais.

O novo normal será mais digital e também mais acessível a quem não puder marcar presença no local de trabalho ou na escola.

Cumprimentos

A pandemia obrigou a um distanciamento social rigoroso e certos cumprimentos, como os apertos de mão ou os abraços, passaram a ser desaconselhados.

Em substituição, surgiram os toques de cotovelo e, apesar de haver menos receio hoje em dia, ainda é (o novo) normal ver pessoas a utilizarem este cumprimento.

Já o toque de pé com pé parece não ter ficado tão na moda.

Negacionismo

Já havia uma tendência negacionista, de vários anos, relativo às alterações climáticas e questões relacionadas com o Ambiente. Mas foi com o combate à pandemia que mais vozes colocaram em causa o conhecimento e experiência da Ciência e dos seus especialistas, amplificadas pelas redes sociais.

Em ano e meio de Covid-19, nunca pararam de chegar notícias com o mesmo título: "Pessoa não acreditava na pandemia e acabou por morrer do vírus".

Estas tragédias não demoveram a propagação de grupos negacionistas pelas redes sociais e de manifestações públicas destas crenças, incluindo, em Portugal.

O vice-almirante Gouveia e Melo considera, contudo, que o negacionismo teve pouca expressão perante a vacinação e a taxa da população vacinada parece indicar isso mesmo.

No entanto, o pós-verdade e as teorias da conspiração nunca estiveram tão em destaque como neste último ano e meio.

A pandemia pode acabar, mas facilmente poderão arranjar-se outros assuntos que provoquem a propagação de desinformação, no futuro.

Distanciamento

A arma mais eficiente contra o vírus. Acima de tudo, o que mais era recomendado pelas autoridades de saúde era o "distanciamento de segurança".

Dois metros deixaram de ser apenas uma unidade de medida de comprimento, mas também o espaço mínimo para impedirmos o contágio por Covid-19.

Mesmo com o fim de muitas restrições, o desconfinamento não deixa de pedir distanciamento. E, certamente, será um hábito difícil de largar.

Estado de emergência

Uma ferramenta desconhecida de muitos, mas que se tornou dos termos mais ouvidos e discutidos, durante todo o período pandémico.

No último ano, o Presidente da República declarou o estado de emergência 15 vezes e esteve em vigor durante 173 dias consecutivos.

O seu fim foi também o primeiro sinal de uma fase de retoma à normalidade, apesar de, na altura, ser ainda limitada.

Há quem o tenha criticado criticou, há quem o tenha defendido. Há quem sempre achou necessário e há quem sinta que foi banalizado.

Todos esperam que não volte a ser usado, mas é um termo que poucos se esquecerão, depois deste último ano e meio.

Boletim diário/mortes

No início da pandemia, as conferências de imprensa da Direção-Geral da Saúde (DGS), para apresentar o boletim diário de infetados por Covid-19, eram o primeiro símbolo bélico.

Todos os dias, por volta da hora de almoço, às vezes mais cedo, outras mais tarde, os portugueses aguardavam, com um misto de espetativa e receio, as novidades dos números e da "curva de infeções".

Marta Temido, António Lacerda Sales e Graça Freitas foram as três principais figuras que, quase diariamente, apareciam ao país para explicar números e as vicissitudes da Covid-19.

As conferências de imprensa deixaram de se realizar, depois de alguns meses. Agora, ano e meio depois do início da pandemia, começa a falar-se de terminar a atualização diária de casos, através do boletim da DGS.

Uma manchete que se tornou praticamente tradição vai, agora, desaparecer.

Testar e vacinar

É uma arma de prevenção que não vai desaparecer tão cedo. As zaragatoas tornaram-se ferramenta essencial no rastreio de casos e de controlo da infeção.

Os incentivos à testagem tornaram-se tão fortes, que o Governo decidiu comparticipar a 100% os testes rápidos que são comprados em espaços comerciais.

Já depois do país desconfinar por completo, prevê-se que se continue a testar, como medida de prevenção e segurança.

Além da massificação dos testes, outra arma que mudou o jogo na guerra contra a pandemia foi a criação das primeiras vacinas contra o vírus da Covid-19. Em tempo recorde, cientistas de todo o mundo ajudaram a descobrir a fórmula para começar a imunizar a população.

Em Portugal, o processo de vacinação começou nos últimos dias de 2020 e, depois de algumas afinações, entrou em fase de cruzeiro, com a abertura de centros em todo o país. Com quase 85% da população com a vacinação completa para a Covid-19, o país está no top mundial da vacinação.

"Lay-Off"

Tratou-se de uma medida excecional e temporária que se destinou à manutenção dos postos de trabalho nas empresas total ou parcialmente encerradas por imposição legal, podendo estas optar entre a redução dos períodos normais de trabalho ou a suspensão de contratos de trabalho.

Foi uma das medidas implementadas pelo Governo para combater a precariedade e proteger as empresas.

A 1 de janeiro de 2021, o Governo passou a poder assegurar a remuneração a 100% dos trabalhadores, com as devidas exceções.

Moratórias

O setor bancário, em articulação com o Banco de Portugal e o Governo, anunciaram, em março de 2020, uma moratória de capital e juros para determinados empréstimos, para particulares e empresas particularmente afetados pela crise provocada pela pandemia.

Muitos particulares e empresas retomaram já os pagamentos dos respetivos créditos e outros preparam-se para o fazer. As moratórias das famílias acabam a 30 de setembro.

Os bancos tiveram de verificar se, a 31 de agosto, ou seja, um mês antes do fim das moratórias, os clientes tinham as condições para retomar o pagamento das prestações do crédito.

Terminadas as moratórias, as famílias devem ter um plano negociado com os seus bancos para começarem a cumprir o plano de pagamento do crédito.

Bazuca

Uma bazuca ou uma metralhadora? No fim de contas, é o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português, que aplicará dinheiro da União Europeia para ajudar a recuperar o país no pós-pandemia.

Serão quase 14 mil milhões de euros, que Portugal não terá de devolver.

A sua aplicação será o tema político desta legislatura e estará em avaliação nas próximas eleições legislativas.

Estádios sem público

Uma consequência do confinamento que deixou o desporto sem uma parte essencial.

O futebol foi o exemplo mais óbvio, mas as restantes modalidades - pelo menos aquelas que não foram obrigadas a parar - também sofreram do mesmo.

Talvez não haja maior símbolo do efeito da pandemia no desporto que os Jogos Olímpicos de Tóquio, que se realizaram com as bancadas despidas de público.

Telescola

Tal como os pais, as crianças também tiveram de ir trabalhar para casa, devido ao confinamento.

A RTP decidiu retomar uma prática antiga, para ajudar os mais novos a não perder a matéria desse ano letivo.

O #EstudoEmCasa, conhecido coloquialmente por Telescola, começou a preencher a programação da RTP Memória.

Surgiram memes, picos de audiência pouco vistos para o canal público e uma aparição especial do Presidente da República.

"Take away"

Uma prática já bastante comum, com a pandemia tornou-se a única forma de muitos restaurantes manterem o negócio.

As plataformas de encomendas passaram a ter muito mais clientes e o setor da restauração tentou aguentar-se com a único método que lhe permitia aceder aos pedidos.

O "take away" não foi um revolução, mas tornou-se uma ferramenta mais recorrente para muitos negócios.

Funerais

Na pandemia, o luto tornou-se mais difícil.

As restrições e medidas de precaução impediram famílias de identificarem o corpo do seu familiar antes de o enterrarem e os funerais não permitiram que todos pudessem marcar presença.

Milhares de funerais foram condicionados desde a chegada da Covid-19.

Com o fim da pandemia, estas cerimónias voltam à normalidade, mas, para muitos, este ano e meio deixou marcas difíceis de apagar.