Confrontado com a pergunta se é possível ter um aumento intercalar dos salários em 2023, Mário Centeno responde que "temos que nos manter atentos às situações de vulnerabilidade".
O governador refere ainda o "momento muito relevante" para a economia portuguesa e europeia de "pleno emprego" e que os salários "têm vindo a progredir de forma muito consistente nos últimos anos, desde logo começando no salário mínimo"
Há margem para melhores salários?
Nós devemos tomar decisões, quer salariais, quer de margens de lucro, quer na política orçamental, que sejam compatíveis com a estabilidade de preços no médio prazo. Há uma regra que eu tenho vindo a apresentar: um aumento salarial que não coloca pressão sobre os preços é um aumento salarial que adiciona à taxa de inflação de médio prazo, que é o objetivo do BCE que são 2%, os ganhos de produtividade nas empresas. Se o aumento salarial estiver contido nesta regra, não gera pressões inflacionistas.
A mesma situação se coloca em relação às margens de lucro. Nós devemos esperar uma recuperação e aconteceu, todos os dados mostram que isso aconteceu, uma recuperação das margens de lucro das empresas face ao aperto que se viveu no período no covid. Mas hoje já era esperado que essas margens viessem a cair em termos dos níveis que atingiram, porque esse é o comportamento cíclico típico das margens de lucro.
Nós hoje estamos num momento muito relevante para a economia portuguesa e europeia. Nós estamos em pleno emprego. Nós nunca tivemos tanto emprego em Portugal, nunca houve um momento em Portugal em que tantas pessoas trabalhassem.
Trabalham, mas muitos recebem baixos salários.
Os salários são baixos em termos relativos. Aceito que essa seja uma análise, mas eles têm vindo a progredir de forma muito consistente nos últimos anos, desde logo começando no salário mínimo. Nós tivemos um aumento em termos reais do salário mínimo, entre 2015 e 2021, superior a 45%. Nunca na economia portuguesa tivemos em tão pouco tempo um aumento tão significativo do valor real.
É um facto, o salário mínimo tem vindo a aumentar. Mas também aumentam os trabalhadores pobres.
O conceito de pobreza é relativo, é um conceito face ao salário mediano. Numa economia em que a distribuição dos salários se desloca no sentido ascendente, o desafio de redução da pobreza que nós temos conseguido em Portugal nos últimos anos é significativo. Nós, neste momento, temos indicadores de desigualdade na distribuição do rendimento que são, em tudo, semelhantes aos da área do euro.
E eu lembro uma última variável, que faz sempre parte do discurso de qualquer economista, que é a educação. Nada conseguiremos se não mantivermos a tendência de recuperação dos níveis de qualificações e educativos da população portuguesa.
Que também nos levam para a questão salarial. Os jovens estão mais qualificados mas não encontram salários atrativos e acabam por optar pelo estrangeiro.
Nós temos indicadores sobre a emigração que mostram que a percentagem da população portuguesa que emigra se tem vindo a reduzir nos últimos anos. A emigração permanente, pessoas que saem de forma permanente do país, anda à volta dos 35.000 por ano.
Este número representa qualquer coisa como 0,3% da população portuguesa e tem vindo a diminuir, aliás, num contexto em que a emigração, aqueles que vêm para Portugal trabalhar, tem aumentado. Tanto é que nós temos um saldo migratório líquido positivo desde 2016 e crescente. Isto significa que a economia e a sociedade portuguesa estão hoje mais dinâmicas, receptivas de mão de obra, o que é compatível com a situação de pleno emprego.
Os salários vão refletindo esta realidade, porque o que nós vemos nas contribuições para a Segurança Social é uma dinâmica da massa salarial em Portugal, que antes do período do covid estava a evoluir, anualmente, 7% a 8%, em termos nominais, com taxas de inflação praticamente zero. Excluindo o periodo covid, esta dinâmica é retomada logo em 2021 e já em 2022. Os números 2022 são impressionantes. Nós tivemos um aumento até setembro de 10,5% na massa salarial em Portugal: 4% de aumento do salário médio, 6% de aumento do emprego. São números impressionantes para uma economia da nossa dimensão.
Com a inflação, este ano a perda de poder de compra é brutal. As pessoas queixam-se da perda de rendimentos e que os aumentos não estão a compensar. As empresas não podiam ter ido mais longe nos aumentos e é possível um aumento intercalar?
Os nossos dados em relação às famílias e é muito importante distinguir a resposta que eu vou dar, onde eu agrego todas as famílias portuguesas com problemas que seguramente se colocaram em dimensões mais vulneráveis nalgumas famílias em Portugal. Não tentemos retirar conclusões para todos daquilo que aconteceu a todos. E o que aconteceu a todos foi uma estagnação do rendimento disponível real das famílias.
Os nossos números, os números do INE até ao fim do terceiro trimestre e a estimativa que fazemos até ao final do ano é que o rendimento disponível real das famílias em Portugal, no ano de 2022, estagnou. Não caiu, estagnou. O que é um resultado absolutamente extraordinário, atendendo ao nível da inflação. Porque, num ano em que a inflação é em média anual, qualquer coisa como 7,5%, nós temos uma evolução do rendimento disponível nominal que acompanha praticamente este aumento dos preços. É difícil às vezes sentir isto face à vertigem que os números da inflação nos colocam hoje. Eu entendo isso.
Os indicadores que temos são que as pessoas que mudaram de emprego, no ano de 2022, têm um ganho salarial muito próximo de 10% e aqueles que mantiveram emprego na mesma empresa tiveram, em média, um ganho salarial entre 6 e 7%. Porque é que temos um ganho médio de apenas 4%? Porque em 2022 houve um crescimento muito grande do emprego e quando há um crescimento muito grande do emprego em termos agregados, o crescimento médio do salário é menor, porquê? Porque muitas das pessoas que entram no mercado de trabalho entram com salários abaixo da média.
Quer dizer que, o mais provável, é que um aumento intercalar dos salários no próximo ano não seja possível?
Eu diria que temos que nos manter atentos às situações de vulnerabilidade. Até este momento, os números que temos não apontam para que, no seu conjunto, o mercado de trabalho em Portugal não tenha dado resposta ao desafio da inflação, porque as famílias em Portugal também obviamente ajudadas por algumas medidas do Governo, mas a esmagadora dimensão da resposta foi dada no mercado de trabalho e essa foi muito positiva pelo aumento do emprego e pelo aumento dos salários que ocorreu.
Eu diria que temos que nos manter com este foco na situação em que nos encontramos, olhando para as vulnerabilidades, sem dúvida nenhuma. Mas, neste momento, com a taxa de desemprego no nível em que está e com o emprego que temos, com a maior taxa de participação alguma vez registada em Portugal, temos uma resposta do mercado muito adequada àquilo que são os desafios que encontramos.