Crianças desaparecidas. Quando “nem a esperança se desvanece nem o luto acontece”
14-10-2021 - 13:13
 • Marta Grosso

No dia em que estreia o filme “Sombra”, o antigo ministro Bagão Félix esteve n’ As Três da Manhã enquanto membro da Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas. Amigo de Filomena Teixeira, fala na “terrível situação de total presença de ausência” em que vive a mãe de Rui Pedro.


Estreia, nesta quinta-feira, o filme “Sombra”, de Bruno Gascon, que mergulha no drama das famílias de crianças desaparecidas e, em concreto, da mãe de Rui Pedro, desaparecido há 23 anos.

Filomena Teixeira é representada pela atriz Ana Moreira, que interpreta a história adaptada de um acontecimento real.

O filme “exprime a ideia dramática – embora de uma forma mais ficcional, como é óbvio – que é a não possibilidade nem de fazer o luto nem de perder a esperança”, afirma Bagão Félix, que já viu o filme.

“Nem a esperança se desvanece nem o luto acontece. E esta terrível situação implica e tem implicado nela [Filomena] absoluta e infinita total presença de ausência. Não é apenas saudade, é mais do que isso”, afirma.

Bagão Félix, economista, é membro Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas e foi nessa qualidade que esteve no programa As Três da Manhã, na Renascença.

“Esta associação foi criada em 2007. Aderi desde logo a esta causa, não só pela missão e pelos valores que sustenta – nomeadamente, a prevenção e o acompanhamento das famílias – como porque conheço outras pessoas. A Dra. Patrícia Cipriano é a alma da associação, mas a primeira pessoa que me disse para fazer parte da associação foi a Filomena”, conta.

Como está Filomena Teixeira? “Conheço-a muito bem e é uma mulher única”, que “exprime o que significa o infinito amor materno. Há uma relação profundamente uterina entre o filho desaparecido e a mãe”, responde Bagão Félix.

Rui Pedro está desaparecido desde março de 1998.

O filme consegue o “difícil equilíbrio” de “respeitar o que aconteceu, procurando o distanciamento do caso concreto”.

“É um filme corajoso” e “soberbamente sóbrio”, diz o economista e antigo ministro das Finanças.

Desaparecem mais de mil crianças por ano em Portugal

Os números são da estatística e avançados por bagão Félix na Renascença: “haverá notícias de desaparecimento de menores e adolescentes de 1.400 por ano, em Portugal. Mas atenção: a grande maioria é revertida rapidamente”, acrescenta.

Muitos casos “são de criança que estão institucionalizadas, que aproveitam uma saída”, por exemplo. “E depois há os raptos parentais, a alienação parental”.

Os casos que resultam efetivamente de atos criminosos “são muito poucos – penso que entre 1% a 2% deste número”, refere ainda o economista, membro da Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas.

Bagão Félix considera também que, se há uns anos “nem nos passava pela cabeça” que um filho nosso pudesse desaparecer ao brincar na rua, hoje existe “um outro fator” de risco: “o assédio das redes sociais”.

“Potenciam atrações, assédio, encontros fugazes”, defende.

Um filme já reconhecido internacionalmente

O filme “Sombra” é adaptado das histórias de várias famílias a que o realizador, Bruno Gascon, teve acesso, tendo a história de Filomena Teixeira sido a maior inspiração – uma mãe numa luta contínua e desesperada contra a inépcia das instituições, nomeadamente a forma como a investigação policial foi inicialmente conduzida.

“Sombra” tem Ana Moreira no papel principal, mas conta também Vítor Norte, Miguel Borges, Ana Bustorff, Lúcia Moniz e Sara Sampaio.

O filme teve estreia mundial no Festival de Cinema Barcelona – Saint Jordi, recebeu o prémio de Melhor Filme, já foi visto em Xangai, em Nápoles e chega agora chega às salas portuguesas.

Ao nível internacional, a receção tem sido muito boa, tendo o filme sido selecionado para um dos maiores festivais de cinema independente da atualidade no Reino Unido: o Raindance Film Festival.