Ministra da Saúde: Vacinas não são para quem quer, mas para quem precisa
26-11-2020 - 06:22
 • Anabela Góis (Renascença) e Rita Ferreira (Público)

Ainda há mais de meio milhão de vacinas da gripe para administrar. Em entrevista à Renascença e ao "Público", Marta Temido rejeita falhas na vacinação contra a gripe sazonal e alerta que a vacinação não é para quem queira, é para quem cumpra critérios.

O plano para a vacinação contra a Covid-19 deve ser entregue a meio de dezembro e vai ter condições diferentes para as diferentes vacinas. Em entrevista à Renascença e ao Público, Marta Temido explica que o processo é complexo e vai envolver a proteção civil e o Ministério da Defesa.


A vacina para a covid-19 parece ser uma realidade cada vez mais próxima, Espanha e Alemanha já têm a logística montada. E nós em que fase estamos?
Temos uma task force, uma equipa que tem como objectivo como missão a entrega de um plano para a vacinação contra a covid-19 em Portugal e que vai reunir. Temos neste momento a produzir trabalhos para integrar esse plano a DGS, com a componente estratégia vacinal, ou seja, populações alvo, grupos prioritários, condições de administração. Gostava de sublinhar que as vacinas que vamos ter provavelmente são distintas, têm populações alvo distintas e isso tem de ser considerado. Temos depois uma dimensão que vamos integrar nesse plano que é a dimensão da logística: cada uma das vacinas também terá condições logísticas diferentes e a própria forma de chegada ao país será provavelmente diferente. Algumas delas serão apenas entregues num ponto único, outras em vários pontos do país. Temos de as fazer chegar às regiões autónomas da madeira e dos Açores e portanto daí a necessidade de incluir nesta comissão o know how, as competências do MAI, da proteção civil e do Ministério da Defesa Nacional e depois temos uma componente de registo da administração das vacinas e também de eventuais reações adversas - essa componente da segurança é muito importante - e temos uma componente de comunicação. O que esta comissão vai fazer é entregar os consensos, os documentos que resultam destas quatro linhas de informação técnica: estratégia, logística, administração e registos informáticos e também comunicação.

Há um prazo para entregar o plano?
Sim, é até meados de dezembro, sendo que naturalmente temos tido reuniões semanais e estamos a acompanhar o trabalho diariamente e penso que durante a próxima semana teremos já alguma informação para partilhar com os portugueses.

E quanto à vacina da gripe? Quantas pessoas de risco foram efetivamente vacinadas?
Este ano o SNS comprou dois milhões e 70 mil doses de vacinas contra a gripe e o sector das farmácias de oficina terá comprado cerca de 500 mil. Tem-se dito muito que o país falhou na vacinação contra a gripe sazonal e que isso é o prenúncio de que as coisas tenderão a não correr bem quando for a vacina contra a covid-19. Eu gostava de dar aqui alguns números que recolhi através da agência do medicamento portuguesa, porque esta informação não encontrei pública, mas de outros países, a República Checa comprou 800 mil vacinas, com uma população semelhante à nossa, 10 milhões e 600 mil indivíduos. A Suécia comprou um milhão e 400 mil, é uma população semelhante á nossa. 10 milhões e 200 mil.

Não questionamos esses números, o que queremos saber é quantas pessoas de risco é que foram efetivamente vacinadas.
O que lhe posso dizer é que já vacinámos cerca de 1 milhão e 500 mil pessoas e que estamos ainda com cerca de 300 mil doses em stock e estamos a receber esta semana mais duzentas mil.

Então ainda temos 500 mil para distribuir? Quando serão distribuídas?

500 mil e 70. Até ao final da primeira semana de dezembro o programa estará completo. Nós tivemos este ano uma adesão à vacinação da gripe sazonal que não é típica, até entre grupos que sempre tentámos vacinar e que aderiam menos, designadamente os profissionais de saúde.

Mas aqui a questão é que o Presidente da República disse a seguinte frase: “A senhora ministra acaba de me confirmar que até à primeira semana de Dezembro todos os que queiram vacinar-se irão vacinar-se”. A senhora ministra disse isto? Porque é que o Governo passou esta mensagem de que todos os que queriam vacinar-se iriam poder fazê-lo?
Todos os que queiram com critérios.

Não acha que houve um erro de comunicação aqui?
As vacinas, os medicamentos, os atos de saúde, não são atos de consumo...

Mas houve esta afirmação e agora chegam diariamente às nossas redações pessoas que dizem eu tenho 70 anos e não consigo vacinar-me, o meu filho tem asma e tem indicação também já não tem vacina. Quando as pessoas ouviram o PR dizer que a senhora ministra lhe confirmou que todos os que queiram vacinar-se podiam.
Vale a pena dizer que temos vacinas a serem distribuídas neste momento e, portanto, há pessoas que até ao final do período poderão ainda fazer a sua vacinação. Temos de esperar até ao final para, efetivamente, perceber e fazer a avaliação. Relativamente, à questão da comunicação volto a insistir que as vacinas, e aqui é uma lição importante para a próxima vacina, quando falamos de pessoas elegíveis são aquelas que reúnem critérios, são aquelas que têm necessidade e o consumo de atos de saúde é sempre um ato de externalidades positivas e negativas nos outros e portanto temos de ter isso em conta quando tomamos as nossas decisões.

Tem sentido apoio do Presidente da República ou Marcelo Rebelo de Sousa tem sido uma espécie de outro poder? Ainda esta semana chamou a ministra da saúde e a ministra da Justiça porque estava preocupado com a situação nas cadeias, recebeu várias corporações ligadas à saúde, chama especialistas…

Eu tenho sentido o apoio genericamente de toda a população e naturalmente também do Governo, do senhor PR. Sempre suscitando questões e necessidade de esclarecimentos que temos procurado dar, foi concretamente o caso ontem da reunião mantida com a senhora ministra da justiça e comigo em Belém e, portanto, estamos cá também para esclarecer naturalmente e para prestar informação e para sobretudo continuar a trabalhar para ter o melhor resultado. É nisso que penso que neste momento as figuras do Estado estão absolutamente empenhadas.

O PR estava preocupado com os surtos nas cadeias, como é que chegamos a novembro e não há uma orientação para o uso de máscara nas prisões?
Mais uma vez vale a pena o que acontece noutros países e os países onde não existe e onde recentemente foi introduzida. O que podemos clarificar neste momento é que sob o ponto de vista da saúde a recomendação é inequívoca desde há várias semanas e é da utilização da máscara em espaços fechados. Agora temos de ter a noção de que dentro de um estabelecimento prisional há vários locais. Há desde logo as celas e nas celas como na casa de cada um provavelmente as pessoas não utilizam máscara em casa. Lá em casa as famílias utilizam máscara a não ser numa situação específica? Estamos a falar de um contexto de institucionalização que é muito específico. Coisa diferente é quando os detidos se deslocam às aulas, aos espaços de convívio, se deslocam fora do estabelecimento. E depois outro aspeto é o da assistência que tem sido prestada aos detidos infetados e nesse aspeto os hospitais dos serviços prisionais têm dado uma resposta que tem sido de grande autonomia e capacidade de intervenção. E outro aspeto que podemos referir é o programa de testes de rastreio que foi realizado aos profissionais dos estabelecimentos prisionais que conta já com mais de nove mil testes realizados através das equipas do INEM e do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge e a possibilidade que estamos a estudar de desencadear um programa de reforço dessa testagem em detidos que permita identificar precocemente contágios.