A desertificação do interior
12-01-2019 - 10:17

Muita gente reclama políticas radicais para recuperar o interior. Com razão. Ninguém explica, porém, como se arranjaria dinheiro para um tal radicalismo.

Já aqui manifestei o meu ceticismo sobre a eficácia das – poucas – medidas tomadas para salvar o interior do país da desertificação. O grande problema do interior não é só ter lá cada vez menos gente – é, também, não poder contar com os que ainda lá vivem.

Dá a impressão que o grande objetivo dos jovens do interior é sair de lá quanto antes. E os idosos resignam-se a viver cada vez mais isolados no local onde nasceram e cresceram.

Para não ser demasiado pessimista, talvez deva ter-se em conta um outro facto: o crescente sentimento da população do litoral de que nessa zona, que tanto atrai quem não a habita, a qualidade de vida está numa tendência de descida. E essa descida tende a acentuar-se.

Se é verdade que o interior representa cada vez menos votos (e, por isso, os políticos pouco fazem para travar a desertificação dessa enorme zona), talvez no litoral comecem a aparecer votos de quem queira regressar ao interior.

Baixa a qualidade de vida no litoral

O litoral português é apenas um quarto do território continental. Como é menos pobre do que o interior, recebe um número crescente de gente. Ora o litoral, e em particular as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, ficam cada vez mais congestionadas. Os engarrafamentos no trânsito tornam-se quase permanentes. O afluxo de turistas estrangeiros – em si, algo positivo – intensifica o congestionamento e, sobretudo, reduz a oferta de habitações para alugar ou comprar a preço acessível pelos portugueses.

É possível que, hoje, muitas pessoas que vivem no litoral comecem a ansiar por uma vida mais sossegada fora dele. Só que não encontram no interior condições mínimas para uma família ali habitar.

Os serviços públicos do interior têm vindo a ser encerrados. O mesmo se diga dos postos dos CTT e dos balcões dos bancos, incluindo os da Caixa Geral de Depósitos. Quase não há ali estabelecimentos de ensino, pelo menos a partir do ensino primário (e, mesmo esse, vai desaparecendo). Não há empregos. Nem sequer existe já no litoral um número razoável de lojas comerciais nem de trabalhadores manuais aos quais se possa recorrer em caso de avaria em casa ou no carro. Nas aldeias ficam só os velhos, frequentemente isolados.

Claro que há hoje televisão, internet, telefones móveis, etc., que limitam o isolamento. Mas grande parte da população idosa que permanece no interior tem compreensíveis dificuldades em lidar com novas tecnologias, em particular com a internet.

Empresas e benefícios fiscais

As autoestradas que, em quantidade excessiva, se construíram nos últimos anos servem para os agora habitantes do litoral irem de vez em quando “à terra”, visitar a família que por lá ficou. Mas não servem para que os idosos pobres que se mantém no interior façam a viagem inversa: o ambiente das grandes cidades é hostil para eles.

E as empresas? Escassas são as que se encontram no interior. E é uma fantasia pensar que alguns benefícios fiscais bastariam para um número significativo de empresas se deslocarem para o interior, onde não encontram os trabalhadores de que precisam nem outras unidades fabris ou comerciais com as quais necessitam de ter contactos frequentes. Não ajuda a circunstância de, do outro lado da maior parte da nossa fronteira com Espanha, se situarem as zonas espanholas mais pobres e menos desenvolvidas.

A tão falada – e necessária – descentralização até agora quase se resumiu a passar para as câmaras municipais várias competências, mas não o dinheiro indispensável para as exercer. Daí que vários municípios já se tenham afastado desse processo.

Uma estratégia assente em polos

Com certeza que existem hoje algumas universidades e institutos politécnicos no interior e que isso é positivo para as regiões envolventes. E que existem alguns casos – não muitos – de sucesso na instalação de empresas fora do litoral.

Mas, obviamente, não se podem colocar estabelecimentos de ensino superior ou até secundário em todas nem sequer na maioria das aldeias que definham no interior. Tem que se apostar numa estratégia que concentre em meia dúzia de polos com um certo nível de urbanização os investimentos, públicos e privados, para travar a desertificação do interior.

Ora, numa altura em que os serviços públicos que já existem no litoral lutam com grandes dificuldades financeiras para recrutar pessoal e adquirir equipamentos – o Serviço Nacional de Saúde está à beira do caos, por exemplo - é uma fantasia considerar que existirá dinheiro, agora e no futuro próximo, para fazer regressar ao interior os serviços públicos encerrados, as escolas, os bancos, os correios, etc.

Muita gente reclama políticas radicais para recuperar o interior. Com razão. Ninguém explica, porém, como se arranjaria dinheiro para um tal radicalismo.

Por isso continuaremos com medidas tímidas e limitadas para evitar o deserto no interior. É melhor do que nada, mas convém não alimentar ilusões.