Catequese não são aulas. “Precisamos de uma nova mentalidade”
30-06-2020 - 16:06
 • Ângela Roque

Bispo responsável pela área da Educação Cristã na Conferência Episcopal Portuguesa aplaude novas diretrizes do Vaticano para a catequese, mas diz que ainda há muito a fazer para que deixe de ser vista apenas como meio para se fazer a Primeira Comunhão ou o Crisma.

O Vaticano divulgou há dias o novo "Diretório para a Catequese". O terceiro documento do género em 50 anos sublinha o impacto das novas tecnologias e da globalização na transmissão da fé e incentiva a que se recorra aos meios digitais, e até às redes sociais, para comunicar com os mais jovens.

Em entrevista à Renascença a propósito deste documento, o bispo de Aveiro e presidente da Comissão Episcopal da Educação Cristã e Doutrina da Fé diz que há em Portugal “bons exemplos” neste setor da Igreja - ao nível da comunicação digital e da Catequese Familiar, por exemplo -, mas tem de se fazer mais para que a catequese seja vista como “processo de iniciação na fé”, e não como um meio para chegar à Primeira Comunhão ou ao Crisma, que muitas vezes mais parece um “sacramento de despedida” da Igreja.

Para D. António Moiteiro seria importante que a catequese não estivesse “colada” ao ritmo e ao calendário escolar. E defende que tem de se envolver mais as famílias e apostar na formação dos catequistas.

Como é que acolheu o novo "Diretório para a Catequese"? O que se propõe agora é muito diferente do que já se faz em Portugal?

Penso que não é tanto a diferença, mas a acentuação. Estamos ao nível dos outros países e temos respondido às exigências que nos são feitas pelos documentos da Igreja. A dificuldade está nos frutos que a catequese tem produzido nos últimos anos. Numa sociedade tão secularizada como a nossa, esperávamos que ajudasse os cristãos a crescerem na sua fé, a inserirem-se na vida da comunidade e a participarem mais conscientemente, e aí é que notamos dificuldades. O novo "Diretório para a Catequese" acentua aquilo que o Papa Francisco nos tem pedido, que é uma nova visão e uma nova maneira de entender a educação da fé.

As dificuldades são mais ao nível da linguagem, da forma como se comunica? Tem de haver uma adaptação aos novos tempos?

Tem de haver uma adaptação. Monsenhor Rino Fisichella quando apresentou o Diretório disse que temos de libertar a catequese de alguns laços que a impedem de ser eficaz e que é urgente realizar uma "conversão pastoral", que não é só de toda a vida da Igreja, mas deve incluir a catequese no sentido de a libertar do esquema escolar.

A catequese não é feita a fim de receber um sacramento, mas temos este dilema: catequese para os sacramentos. E há um terceiro elemento, que é a instrumentalização de um sacramento concreto, por exemplo, o da Confirmação. Para termos os jovens nas nossas comunidades vamos alargando a idade do Crisma e instrumentalizamos esse sacramento, como alguns já estão a fazer também com a Primeira Comunhão, cada vez mais tarde. Estas dificuldades devem provocar uma nova maneira de entender a catequese, que as comunidades cristãs olhem para a catequese como um processo de iniciação na fé e não como um processo de celebração na fé. Porque o problema não é celebrar a fé, a fé celebra-se quando estamos iniciados. A iniciação é que tem faltado.

E hoje em dia essa iniciação já não se faz, como há décadas, nas famílias?

Não, não se faz e notamos isso. Aqui na minha diocese, a de Aveiro, é muito comum nos sábados à tarde, depois das catequeses, haver a Eucaristia. No último Census que fizemos à prática dominical, em março do ano passado, como ainda era tempo de catequese, a participação das crianças e adolescentes foi razoável no conjunto dos números, mas chegam as férias e sabemos o que acontece: não há catequese, não há participação na Eucaristia. Porque a noção é a de que a catequese é para celebrar os Sacramentos e a catequese é iniciação na fé, é crescimento na fé.

Não se pode olhar para a catequese como se fossem aulas?

E não instrumentalizar a catequese preparando para sacramentos. Há um aspeto concreto de que podemos falar agora, por causa da pandemia: neste momento não é viável, nem possível, celebrarmos primeiras comunhões com 40 e 50 crianças, mais os pais e os familiares. Mas, se não queremos instrumentalizar a primeira comunhão, então ela pode ser celebrada gradualmente ao longo do ano, à medida que as crianças se vão inserindo na vida da comunidade cristã e fazem a sua iniciação à fé. Mas, temos uma dificuldade tremenda para aceitarem isto, quer por parte das paróquias, dos párocos e dos catequistas, e então dos pais, muito menos! Mas, se não rompermos estes condicionalismos, a catequese, de facto, não cumpre a sua missão.

É preciso mudar hábitos?

Mudar hábitos e perspetivas, sermos capazes de cortar com alguma coisa. Por exemplo, o "Diretório" fala muito na família, na Catequese Familiar, e sabemos que nos sítios onde ela tem sido implementada tem dado bons frutos, mas tem sido difícil, porque a noção que temos de catequese é a de catequese-escola, de ritmo escolar, e a Catequese Familiar implica que os pais sejam os primeiros educadores da fé dos seus filhos. Não é a catequese nem é a paróquia, são os pais e aqui está uma dificuldade muito grande.

As realidades variam muito de diocese para diocese. Acha que é possível avançar nestas propostas que o Vaticano faz mais ou menos rapidamente? Porque também há bons exemplos.

Há muitos bons exemplos. Aqui na diocese de Aveiro tenho muitas paróquias com Catequese Familiar e onde existe os frutos são positivos. Por exemplo, com a pandemia, quando não era possível haver celebração, numa das paróquias houve atividades, trabalhos entre pais, catequistas e catequizandos, uma oração online em que participaram 80% dos grupos de catequese, portanto, é possível. A dificuldade está em criar uma nova mentalidade para romper esquemas que são de há muitos anos.

Ao nível das famílias católicas nem sempre há essa educação na fé, esse conhecimento. É por isso que vemos muitas crianças que até fazem a primeira comunhão, mas depois não prosseguem a catequese até ao Crisma? Isso continua a acontecer?

Vemos muitas crianças assim e vemos que depois os crismados também não participam. O Crisma quase que é um "sacramento da despedida". Se organizamos a catequese em função da receção de sacramentos, ter recebido a primeira comunhão é ter feito uma primeira etapa da minha vida, "pronto, agora não é preciso mais". Depois querem receber o crisma, vêm outra vez à catequese. Então, a noção que se tem é: catequese para celebrar sacramentos, quando os sacramentos são encontros com Cristo, e devem estar inseridos na caminhada de fé do próprio catequizando.

Portanto, os desafios para este setor são mais profundos do que à primeira vista pode parecer?

Sim. Um primeiro desafio é libertarmo-nos do ritmo escolar, o que não significa que isso não tenha elementos positivos. Eu costumo dizer que se queremos acabar com este ritmo, corremos o risco de ficar sem nada - E quando digo "ritmo escolar" é semana de aulas, semana de catequese, férias da escola, férias da catequese, este ritmo temos de o ultrapassar.

É preciso crescer numa noção nova de catequese, não para sacramentos, não instrumentalizar os sacramentos nas etapas, mas colocar a celebração da fé num itinerário de fé, numa iniciação de fé, que vai acontecendo ao longo da nossa vida.

Outro desafio é a família. Os pais mais jovens, tal como se preocupam com os filhos na escola, também se preocupam com a catequese. A Catequese Familiar, que temos de implementar mais, pode ser uma forma de corrigirmos a mentalidade escolar.

Outro aspeto muito importante é a formação de catequistas. Sem catequistas bem formados, dificilmente podemos ter uma boa catequese, porque o catequista tem de ser testemunha autêntica da sua fé para os seus catequizandos – a experiência de fé que comunica tem de a viver.

Nós terminámos agora - em princípio vai ser apresentado na próxima semana, em Fátima - o novo curso de formação de catequistas, chamado "Ser Catequista", que prevê que o catequista faça o encontro pessoal com Jesus para depois poder ajudar a que os catequizandos o façam também na sua vida, penso que isso é fundamental.

A formação de catequistas é importante, e ainda agora, durante a pandemia, vimos que há catequistas não têm possibilidade ou não sabem lidar com os meios online…

Mas também houve boas experiências.

Muito boas. Houve catequistas que fizeram uma experiência muito rica online com os catequizandos e com os pais, porque ao fazer com os filhos, os pais também estão implicados.

O documento do Vaticano sublinha a importância de se recorrer aos meios digitais, e até às redes sociais, que é no fundo onde os jovens de hoje estão e comunicam.

Sim. O documento diz que é muito importante que haja novas linguagens e que os instrumentos digitais entrem na catequese, porque sem isso a catequese fica demasiado escolarizada, que é o método dedutivo: o professor - neste caso o catequista - ensina, e o aluno – que é o catequizando -, aprende, e não é isto. A catequese é uma caminhada de fé onde o catequista, mais velho, leva a sua experiência, e os catequizandos, com os pais, a comunidade cristã e os catequistas, é ajudado a fazer a sua experiência de fé.

Os novos meios digitais já não podem deixar de ser um complemento à catequese presencial?

Não podem, devem ser implementados, e não só como complemento. Agora, é evidente que a experiência de fé faz-se "tu a tu", e faz-se numa comunidade crente, vendo e participando com outros nas mesmas celebrações, na mesma vivência. Portanto, a questão da comunidade e a questão da presença são fundamentais.

Durante o tempo de pandemia os sacerdotes multiplicaram-se em iniciativas para transmitir as suas eucaristias online e muitos cristãos aderiram, mas não podemos ter cristãos de sofá. Eu não posso participar na vida da comunidade cristã estando sentado em casa a ver e a participar na Eucaristia. A vida da comunidade, a presença, a comunhão uns com os outros, e depois a comunhão sacramental, são fundamentais no crescimento da Fé, senão temos uma fé individualista e uma fé segundo as minhas conveniências.