Jovem acusado de terrorismo. Asperger pode ser suficiente para alegar inimputabilidade?
05-03-2022 - 12:00
 • Marina Pimentel

O advogado e psicólogo Carlos Poiares, os advogados Carlos Pinto de Abreu e Jorge Pracana e a psiquiatra forense Sofia Brissos foram os convidados da edição do programa Em Nome da Lei que discutiu o caso do jovem acusado de terrorismo por alegadamente ter planeado um ataque à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

A Síndroma de Asperger que foi diagnosticado ao estudante informático detido pela PJ −quando se preparava para fazer um ataque na Faculdade de Ciências de Lisboa − “levanta questões muito complexas em matéria de inimputabilidade”.

A psiquiatra forense Sofia Brissos admite que quem não tem formação específica pode ter até dificuldade em entender que se invoque o estatuto nesta situação. E lembra que, num caso em que defendeu a inimputabilidade de um homicida, sentiu a necessidade de explicar de viva-voz ao procurador o que defendia no relatório.

“Lembro-me de que na altura fui ler bastante. E fiz um relatório até com citações bibliográficas. Depois peguei no telefone e liguei para o procurador. Expliquei-lhe que lhe ia mandar o relatório antes de ele seguir pelas vias oficiais (o Instituto de Medicina Legal), porque eu sei que se calhar é muito difícil para quem não é médico, quem não é psiquiatra, entender como é que neste caso em concreto pode ser ponderada a inimputabilidade”.

A psiquiatra forense explica que na Síndroma de Asperger não são muito frequentes os surtos psicóticos.

O que acontece é uma incapacidade daquele que pratica o crime em perceber o outro e o mal que lhe está a causar. O crime até pode ter sido premeditado, só que não é a pessoa a agir, mas a doença por ela.

“A anomalia psíquica tem de destruir as conexões reais e objetivas do sentido da atuação do agente de tal modo que os atos daquela pessoa podem ser explicados, mas não podem ser compreendidos como sendo a sua natureza ou a sua personalidade”, explica Sofia Brissos.

“A anomalia psíquica tomou conta do que é aquela pessoa. E, portanto, quem agiu naquele momento foi a doença, a anomalia psíquica, e não aquela pessoa”, acrescenta.

A especialista defende ainda que é isso que é preciso demonstrar para que seja reconhecida a inimputabilidade do autor do crime.

“Não interessa se premeditou ou não, porque pode ser planeado o crime num contexto em que a avaliação da realidade estava enviesada pela doença”, sublinha.

Essa vai ser a linha mestra da defesa do estudante de informática, que se encontra detido preventivamente no hospital prisão de Caxias, indiciado por terrorismo e posse de arma proibida, por ter planeado um ataque contra colegas da faculdade.

Inimputabilidade vai ser fulcral na estratégia de defesa

O advogado do jovem Jorge Pracana reconhece que “a inimputabilidade é um elemento importante da estratégia”.

Mas admite que apenas possa conseguir provar que o seu cliente tinha diminuída a sua capacidade de entender o que está a fazer e de poder determinar-se − a chamada imputabilidade diminuída.

Mesmo não o livrando de cumprir pena de prisão, pode-lhe oferecer uma redução.

Se vier a ser acusado do crime de terrorismo incorre numa pena que pode chegar aos 10 anos de cadeia e pela posse de arma proibida pode ser condenado até três anos.

O especialista em Direito Criminal e dirigente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Carlos Pinto de Abreu, defende que não é apenas o juiz que tem a obrigação de avaliar se tem perante si um réu inimputável, em razão de anomalia psíquica.

”É uma responsabilidade de todos os profissionais do foro, a começar pelos órgãos de justiça criminal, a continuar nos advogados quer da vítima, quer do agressor, passando também pelos magistrados do Ministério Público, e terminando depois naturalmente também no juiz ou no conjunto dos juízes do tribunal coletivo ou do tribunal de júri, se for o caso”.

Falar do que não se sabe

O jurista e psicólogo Carlos Poiares defende que em matéria de anomalia psíquica, é frequente ver advogados e magistrados a falar daquilo que não sabem.

“Eu nunca vi um juiz querer convencer que percebe de canalização quando os problemas são os canos de uma casa. Mas vejo, muitas vezes, a magistratura e os advogados a tecerem considerações sobre questões de saúde mental para as quais não estão necessariamente habilitados. Aliás, até porque em Portugal raramente se estuda psicologia ou psiquiatria nas faculdades de direito”, argumenta.

O professor universitário diz que é preciso acabar com o preconceito de que os psiquiatras e os psicólogos quando são chamados ao processo, é para desculpabilizar o crime.

“Nós temos ainda, e é um vício da nossa sociedade, uma ideia de senso comum que quando os psiquiatras ou os psicólogos acodem a um processo, servem para ser entidades desculpabilizantes do crime. Isto não é verdade. E tem de ser dito e repetido até à exaustão que não é verdade. Isto é populismo. Mas acima de tudo é fruto de uma deficiente informação sobre aquilo que é a comunicação entre técnicos de saúde mental e técnicos de justiça”, conclui Carlos Poiares.