Antero Luís exige "consenso" ao novo Parlamento para criar Código de Processo Eleitoral
11-03-2022 - 01:13
 • Susana Madureira Martins

​Na véspera da repetição das eleições legislativas no círculo da Europa, o secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna pede "consenso" ao futuro Parlamento para a criação de um Código de Processo Eleitoral que defina "de uma vez por todas como se vota e isso ser igual para todos", defendendo ainda a generalização do voto electrónico presencial.

Em entrevista à Renascença, Antero Luís revela que a repetição das eleições no círculo eleitoral da Europa terão custado entre 7 a 8 milhões de euros e, tendo em conta os 19.500 boletins de voto que já foram recebidos pela Administração Eleitoral, prevê-se uma participação "semelhante àquela que aconteceu na primeira votação"

Quantos boletins de voto foram enviados para o círculo eleitoral da europa com vista ao voto postal?

Foram enviados 925.976 boletins de voto, que é o número de eleitores que existem no círculo da Europa e desses já temos cerca de 19.500 de volta, isto é, que votaram.

Isso quer dizer que é muito ou é pouco?

Provavelmente, a participação é semelhante àquela que aconteceu na primeira votação no círculo da Europa.

Que foi de quanto ao certo?

A Europa teve um crescimento de cerca de 80%, é substancial, ou seja, 21% das pessoas votaram no círculo da Europa. [Na votação de 30 de janeiro votaram 195.701 eleitores no círculo da Europa]

A expectativa nas últimas semanas é que a participação eleitoral nesta repetição das eleições seja bastante menor.

Sim, havia essa expectativa, mas a verdade é que até ao momento, as cartas que têm vindo devolvidas, já com os boletins de voto, não apontam nesse sentido. Vamos ver até ao fim. As pessoas votam até ao dia 12 e os votos que regressarem são considerados até ao dia 23 e, portanto, não sabemos até ao dia 23 quantos vão chegar, mas admitimos que, com este ritmo, seja próximo daquilo que aconteceu na primeira votação.

Como é que responde ao presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa, Pedro Rupio, que esta semana se queixou que os boletins de voto não estão a chegar às pessoas? É uma queixa que o MAI reconhece?

Não, não reconhecemos, porque as últimas cartas que entregámos aos CTT, o operador deste processo, foi a 24 de fevereiro, o que significa que, em condições normais, elas estarão em todos os países. A indicação que temos dos CTT é que as cartas foram entregues a semana passada, portanto, já há muito tempo. Não reconhecemos isso.

O que acontece muitas vezes é que, sendo cartas registadas, as pessoas não estando em casa depois ficam com o aviso para ir levantar e admito que possa haver alguns problemas aí, porque as pessoas trabalham e a situação de pandemia também não ajuda neste processo, do ponto de vista da eficácia da distribuição local em cada um dos países.

A informação que temos dos CTT é que foram distribuídas em tempo e a circunstância de estarem a regressar, já com o volume que eu refiro, é significativo, porque, de facto, chegaram aos locais.

Gostava de salientar que cada eleitor tem a possibilidade de ver onde está a sua carta, temos o portal eueleitor.mai.gov.pt e como as cartas são registadas, os registos estão todos inseridos e cada eleitor sabe, exactamente, onde está a sua carta e o dia exacto em que chegou, portanto, pode seguir o trajecto da carta, quer no sentido da ida, quer no sentido da vinda.

Não há aqui um desinteresse, por vezes, da parte dos eleitores, sobretudo quando se trata de uma segunda campanha que praticamente não teve repercussão?

Os números que nos estão a chegar não indiciam isso, mas só dia 23 é que saberemos, no dia limite para os boletins chegarem, o escrutínio é feito no dia 22 e 23 e o dia limite é dia 23 às 16h.

Há alguma preocupação especial do MAI para os dias da contagem de votos, depois do que aconteceu na primeira votação?

A Administração Eleitoral apenas fornece a logística, não faz contagem de votos, não tem uma intervenção ao nível da contagem de votos, nem das decisões que são tomadas em cada uma das mesas de apuramento. Isso é feito pelas pessoas que estão na mesa, quem preside às mesas, normalmente é uma pessoa da Comissão Nacional de Eleições, está lá um juíz desembargador em cada uma das mesas e as mesas são soberanas do ponto de vista da contagem e das deliberações que tomam.

A Administração Eleitoral limita-se a fornecer o espaço, os computadores para fazer a descarga dos votos do ponto de vista electrónico, visto que usamos os cadernos eleitorais desmaterializados, todo o apoio e espaço para as pessoas comerem, os testes.

Essa é a nossa obrigação, produzir os boletins, enviá-los, recebê-los e colocá-los à disposição das mesas de apuramento e toda a logística necessária para exercerem as suas competências. Foi isso que aconteceu nas últimas eleições. Nós, na Administração Eleitoral não emitimos nenhuma opinião sobre o que acontece do ponto de vista do escrutínio, nem estamos lá.

O resto é da responsabilidade da Comissão Nacional de Eleições?

E dos partidos políticos, que são eles que estão nas mesas, não é a Administração Eleitoral. O que a Administração Eleitoral vai fazer desta vez é o que fez na última: disponibilizar toda a logística necessária para que o processo decorra o mais célere possível, da melhor forma possível, garantindo também as questões sanitárias. Não temos nenhuma preocupação especial.

Há problemas cíclicos nos cadernos eleitorais, os eleitores fantasma, por exemplo, estimados em mais de um milhão. Grande parte da nossa comunidade emigrante continua a ter morada em Portugal para efeitos de recenseamento. Como é que isto se resolve?

Os eleitores fantasma serão cada vez menos, porque hoje o recenseamento é automático em função do cartão de eleitor, os velhos bilhetes de identidade vitalícios que, eventualmente, pessoas que faleceram, acabarão por desaparecer, naturalmente.

A tendência é para os cadernos eleitorais serem cada vez mais precisos, porque é a base do Cartão de Cidadão (CC). Sendo a base de dados o CC, ou a pessoa tem ou não tem, mas há um conjunto vasto de pessoas com Bilhete de Identidade e pode haver aí problema e uma zona de sombra que, provavelmente, mereceria um estudo para ver se é possível resolver ou mitigar ainda mais do que o que se está a fazer e se fez a partir do momento em que o recenseamento foi obrigatório para todos e no âmbito do CC.

Há uma segunda parte do problema: é provavelmente necessário haver um reflexão que já foi ensaiada várias vezes ao nível do parlamento para fazer um Código Eleitoral. Hoje temos para cada eleição regras específicas e isso cria, às vezes, algumas incompreensões, quer na perspectiva do eleitor, quer na perspectiva das pessoas que assistem à eleição.

Umas vezes votam presencialmente, outras vezes por via postal, umas vezes é porque se inscreveram, outras vezes não. Há vários mecanismos. E o que era urgente do ponto de vista do processo eleitoral é que, de facto, houvesse uma uniformização destes procedimentos, para evitar que as pessoas tivessem que pensar duas vezes se vão votar pelo correio, se vão ao consulado.

Mas também, que permita às pessoas que vivam no estrangeiro e que estejam ocasionalmente em Portugal possam votar em Portugal, ou seja, o voto antecipado em mobilidade abranger mais pessoas e usarmos, definitivamente, mesmo em território nacional os cadernos desmaterializados, porque só isso dá possibilidade de alargar as situações de as pessoas votarem.

Espero que o próximo parlamento faça uma discussão política sobre estas matérias e cheguem a um consenso sobre um processo eleitoral único para todas as eleições que se realizam.

O parlamento irá viver na próxima legislatura uma maioria absoluta, mas ainda assim são necessários dois terços dos deputados para mudar a lei. Há aqui alguma esperança de que, desta vez, seja possível?

O que sei é que, do ponto de vista político, tem de haver uma abrangência máxima, ter no futuro um Código de Procedimento Eleitoral que, neste momento, não temos.Temos leis avulsas. Não estou a falar de mexer em percentagens, em proporcionalidades, em métodos, em números, não estou a falar disso, estou a falar do processo eleitoral.

Não estou a dizer que o círculo A deve ter mais deputados ou menos. Estou a falar de um Código Procedimental e é esse que nos vai permitir ter, por um lado, a modernização do acto eleitoral e haver coerência do ponto de vista dos vários processos eleitorais que têm de ser realizados. Esse é o desafio que o Parlamento tem para os próximos tempos, numa abrangência mais global.

Espera que o PS apresente um projecto nesse sentido, tendo em conta que faz parte de um governo socialista?

Não sei se o PS o vai fazer, mas espero que existam iniciativas, quer sejam do PS ou de outros partidos, no sentido de voltar a olhar para as leis eleitorais e tentar fazer um Código de Processo Eleitoral.

É um defensor da generalização do voto electrónico presencial?

Fez-se uma experiência de voto electrónico presencial, em Évora. As coisas correram bem e penso que o caminho pode passar por aí, mesmo em circunstâncias normais em território nacional, isto é, as pessoas deslocarem-se ao local de votação e, em vez de terem um boletim impresso e um caderno para descarregar, haver um computador onde tem o boletim, põe a cruz e isso é tudo feito electronicamente, seja a descarga, seja o resto.

É uma situação que hoje já é possível avançar para ela, tem obviamente um custo inicial, os computadores que permitam o exercício de voto por parte do eleitor, em cada secção de voto, mas poderia ser uma solução fazer esse investimento inicial e depois os computadores servirem para as eleições e servirem depois para as juntas de freguesia, para as forças de segurança ou para as escolas e haver aqui condições para um voto electrónico presencial.

É um investimento em que já há contas feitas?

As contas não foram feitas, é um investimento num primeiro momento com alguma dimensão, mas não é nada que não seja recuperável do ponto de vosta do exercício do direito de voto, porque gastamos muito dinheiro em papel, em correios. A democracia é cara e as eleições são caras. A médio prazo o investimento teria retorno. Era possível caminhar nesse sentido e não gastar mais dinheiro do que o que gastamos hoje.

Na ordem dos milhões de euros? Do que é que estamos a falar?

Na ordem dos milhões, obviamente na ordem dos milhões. Aliás, qualquer eleição é na ordem dos milhões.

Por exemplo, a repetição destas eleições na Europa quanto é que custaram?

Provavelmente 7 ou 8 milhões de euros. Não temos a certeza absoluta, porque o processo não está fechado, mas quando forem feitas as contas, provavelmente andará na ordem dos 7 e 8 milhões de euros.

Temos ouvido o primeiro-ministro falar de uma lei eleitoral mais clara. Para si isso significa o quê?

Temos de definir de uma vez por todas como se vota e isso ser igual para todos. Depois há a questão de saber quem vota em cada eleição, que é uma questão diferente. Mas, pelo menos, a gente conseguir consensualizar como se vota e votarmos sempre da mesma maneira. O que não é possível é haver situações divergentes.

Quando falo na existência de um Código de Processo Eleitoral é, no fundo, a uniformização de um mecanismo de voto para facilitar a vida do eleitor, para o eleitor ter capacidade de votar e saber que naquela eleição, independentemente de ser para a Presidência da República, para a Assembleia da República, para as autárquicas, tem sempre as mesmas possibilidades de votar e fá-lo sempre da mesma maneira.

A que é que atribui o facto de nunca se ter feito algo em relação a estes problemas sucessivos ao longo de anos nos processos eleitorais?

Não houve consensos políticos necessários para conseguir fazer isso. Houve vários grupos de trabalho na Assembleia, vários projectos que depois não avançaram. Ou porque a legislatura era interrompida ou outras situações, porque é um processo que leva tempo. do ponto de vista do desenho, mas também do ponto de vista do consenso político para fazer algo deste género.

É algo que facilita a vida das pessoas...

Mas é preciso tempo. Não é uma coisa que possamos fazer em meia dúzia de meses. Poder-se-á fazer o esquema e o desenho do que se pretende, mas depois é necessário haver consensos políticos para se conseguir fazer o diploma. Muitas das vezes aconteceu porque as legislaturas não chegaram ao fim ou não houve condições para que esse trabalho fosse completado.