Mais de 100 pessoas em protesto contra alterações à lei do cinema
20-10-2020 - 12:20
 • Manuela Pires com Lusa

Ação foi convocada pelos estudantes do setor. Em causa está a proposta que transpõe uma diretiva europeia para regulamentar a atividade dos serviços de streaming e VOD ("video on demand"), com implicações no financiamento da produção cinematográfica nacional.

Cerca de uma centena de estudantes, realizadores, produtores e argumentistas juntou-se, esta terça-feira, ao protesto junto à Assembleia da República no dia em que os deputados votam em comissão parlamentar as alterações à lei do cinema, um protesto da iniciativa do Movimento Estudantil pelo Cinema Português.

Em causa está a transposição da diretiva europeia que regula o sector audiovisual e que tem gerado polémica. Pedro Teixeira, do Movimento Estudantil pelo Cinema Português, explica à Renascença que esta proposta “vai fazer com que a produção nacional passe para as mãos das empresas de ´streaming´”.

Ao ficarem isentas do pagamento de taxas “não contribuem para o financiamento do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), isto significa que o processo de financiamento das nossas obras deixa de ser um processo público, democrático e escrutinável e que, cada vez mais teremos de adequar a nossa criação aos interesses de empresas, em vez de adaptar à nossa própria criação”, refere Pedro Teixeira.

O Movimento Estudantil pelo Cinema Português considera ainda que, com esta alteração, o Estado está a demitir-se de uma política cultural.

“Sendo aprovada esta proposta de alteração à lei e tendo a opção de não pagar taxas, nenhum do dinheiro que os 500 mil subscritores que, por exemplo, a Netflix tem em Portugal reverterá para o financiamento do ICA. São empresas que não pagam impostos em Portugal e assim têm oportunidade de não contribuir, como fazem as operadoras de televisão, para o instituto público de cinema", refere Teixeira, acrescentando que "a tendência prevista é que, nos próximos anos, estas empresa de ‘streaming’ ocupem uma grande parte do mercado em detrimento das operadoras de televisão. Ou seja, o financiamento vai ser encurtado do lado das operadoras de televisão e não vai ser compensado pelas operadoras de ‘streaming’”.

No protesto, os estudantes gritavam frases de ordem como "Os filmes são nossos" e "Fazer cinema foi o que eu quis, deixem-me filmar neste país". Outros estudantes empunhavam cartazes onde se lê "Não gentrifiquem o cinema português" e "Para fazer cinema em Portugal é preciso obrigação fiscal".

O protesto contou ainda com vários realizadores solidários, entre os quais João Botelho, Catarina Vasconcelos, Teresa Villaverde, Inês Oliveira, Gabriel Abrantes e Cláudia Varejão.

Os produtores Luís Urbano, Pedro Duarte e os programadores Miguel Valverde e Cíntia Gil, a deputada comunista Ana Mesquita e um dos porta-vozes do Manifesto em Defesa da Cultura, Pedro Penilo, também estiveram presentes.

Polémica divide profissionais do setor

A proposta de alteração à lei do cinema é tão polémica que divide os profissionais do cinema. Há quem defenda que a aprovação do diploma vai significar "o nascimento de um novo setor audiovisual português". Do outro lado, os representantes da Plataforma do Cinema, que reúne mais de 900 profissionais, dizem que é uma ilusão pensar que as obras portuguesas vão chegar a patamares internacionais.

A proposta de alteração representa uma mudança do sistema actual. Define que a cobrança da atual taxa de exibição - que reverte para os cofres do ICA - será cobrada aos serviços por subscrição, mas isenta as plataformas de streaming se estas investirem no desenvolvimento, produção de obras europeias e em língua portuguesa. Mas ficam com total liberdade para escolher os projetos em que têm de investir.

"Estou francamente comovida pelos estudantes que organizaram isto e, ao mesmo tempo, completamente revoltada, porque esta lei vai 'cortar as pernas' a estes jovens todos. É incrível como é que é possível que haja agora esta oportunidade de fortalecer os dinheiros públicos do ICA e não se estar a aproveitar para nada disso. É revoltante", afirmou à Lusa a realizadora Teresa Villaverde.

Para o realizador João Botelho, esta é uma tentativa - "não é a primeira nem a segunda", de "desviar a ideia do cinema português para se fazer uma imitação do cinema americano".

Já Gabriel Abrantes disse que o que está em causa é "uma liberalização da cultura por total, uma venda aos grandes interesses e às grandes empresas, nomeadamente a Netflix".

"O governo está mais aflito em atrair a Netflix em trabalhar cá do que apoiar o seu próprio cinema. É importante que em Portugal haja financiamento para o cinema e para a cultura", concluiu o realizador