Graça Freitas, a resistente
07-09-2020 - 07:30
 • Eunice Lourenço , Paula Caeiro Varela

O Presidente critica-a, o Governo chegou a colocar a hipótese de substituição, toda a sua direção já saiu, mas Graça Freitas tem resistido a seis meses de pandemia, de conferências de imprensa e de avanços e recuos.

A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, tem estado no olho do furacão desde o primeiro minuto desta pandemia, não só pela função que desempenha, mas pela forma quase desastrosa como comunicou nos primeiros momentos da pandemia. Agora, volta a estar por causa da Festa do Avante e do início do ano letivo, com o Presidente da República a fazer reparos públicos ao que considera ser a falta de informação por parte da DGS.

Marcelo insistiu com a divulgação das regras da festa comunista e a DGS, primeiro, disse que não lhe competia divulgar, mas acabou por divulgar. Já esta semana, o Presidente dando eco a críticas de sindicatos e do CDS, insistiu com a divulgação de regras para o ano letivo.

Graça Freitas respondeu, esta quarta-feira, lembrando que as regras pra as escolas se organizarem foram enviadas e divulgadas há dois meses; o quefalta são os procedimentos em caso de existência de uma suspeita, um contágio ou um surto. Esse manual está a ser trabalhado há pelo menos duas semanas, na semana passada o governo anunciou que será discutido no dia 7, na reunião que voltará a juntar políticos, especialistas e parceiros sociais, nas instalações do Infarmed, em Lisboa e na qual o Presidente também deve estar presente.

Estas trocas públicas de recados são sintoma de um mal-estar que vem praticamente desde o início da pandemia. Nos bastidores, o Presidente da República já manifestou em várias ocasiões que não estará propriamente satisfeito com a prestação da diretora-geral.

Em finais de junho, segundo relatos feitos à Renascença, considerava que estava "envaidecida" e que dava conferência de imprensa a mais. Coincidência ou não, pouco depois, os briefings da DGS deixaram de ser diários e passaram a ser em dias alternados. Uma alteração pela qual o Ministério da Saúde já ansiava, mas que o gabinete do primeiro-ministro demorou a permitir.

Avanços e recuos

As mudanças de rumo da diretora-geral têm sido uma constante nestes seis meses de pandemia em Portugal. E começaram ainda antes. Primeiro, para quem já não se lembra, dizendo que era pouco provável que chegasse a Portugal, a 15 de janeiro, desvalorizando igualmente a gravidade do coronavírus e a possibilidade de transmissão entre humanos. A responsável chegou a dizer que era muito reduzida a possibilidade de uma epidemia global. Na véspera, a Organização Mundial de Saúde já tinha, porém, dito publicamente que essa era uma hipótese que estava a ser considerada.

Os ditos e desditos sobre o fecho das escolas ou a utilidade das máscaras são outras marcas que ficam das comunicações da diretora-geral da Saúde, que começou por negar a utilidade das mesmas, dizendo que criavam uma falsa sensação de segurança, até admitir que não existiam máscaras para todos, e finalmente recomendando o seu uso, que acabou por tornar-se obrigatório no caso de espaços públicos fechados. A falta de conhecimento sobre o coronavírus que causa a Covid-19 foi servindo aos responsáveis políticos para dar cobertura a esses recuos nas orientações da DGS, que também foram sendo desculpados com as alterações de rumo da própria Organização Mundial da Saúde.

A 4 de Março, 2 dias depois dos primeiros casos da doença oficialmente registados em Portugal, André Ventura confrontou o primeiro ministro no debate quinzenal do parlamento, perguntando se mantinha a confiança na diretora-geral; a resposta de António Costa foi "no meio da batalha não se mudam os generais". Sendo certo que a expressão conhecida a que o primeiro ministro pareceu aludir é que não se limpam armas a meio da batalha, o sinal estava dado, Graça Freitas não saía, mas haveria de sair?

A Renascença sabe que, no Governo, chegou a ser ponderada a hipótese de haver uma substituição no Verão, entre o fim da primeira vaga e antes da previsível segunda vaga da pandemia, dando tempo ao sucessor de preparar o inverno que está a chegar. Em causa não estava a competência técnica de Graça Freitas, mas sobretudo a forma como a DGS está organizada e funciona. “Como uma quinta”, resumiu à Renascença uma fonte da área da Saúde.

Os problemas do boletim

A estrutura da DGS nunca tinha sido posta à prova numa situação como esta e fechou-se ainda mais com a pandemia, como que num mecanismo de autodefesa. Ao ponto de haver problemas de partilha de trabalho com estruturas e trabalhadores do Ministério da Saúde.

Por exemplo, a DGS queixava-se de falta de meios e o ministério transferiu funcionários, mas não lhes eram atribuídas tarefas ou passado trabalho.

Outro exemplo, que foi motivo de tensão entre a DGS e o Ministério foi a realização e divulgação do boletim diário. Durante meses, foi feito de forma quase artesanal, com um funcionário a coligir os dados que vinham através de dois sistemas – o Sinave Med e o Sinave Lab, dados dos hospitais e dos laboratórios – que eram colocados num documento em power point que, a seguir, era transformado em pdf e enviado para as redações.

Problemas com os dados por concelho, atrasos na divulgação do relatório que provocavam atrasos nas conferencias de imprensa, necessidade de verificação telefónica de números foram-se sucedendo, com o Ministério da Saúde a disponibilizar meios para tornar o boletim quase automático e a DGS a não abrir mão do seu controlo.

Só em agosto, houve mudanças de fundo no boletim: passou a ser divulgado já com as contas feitas. Ou seja, até agosto para fazer noticia de quantos casos e mortes diárias havia, os jornalistas tinham de fazer contas entre o boletim do dia e o do dia anterior.

Mudanças de coronéis e capitães

Foi passando o tempo e não houve, propriamente, um intervalo entre vagas que permitisse respirar, pelo que continua a vigorar o princípio de não se mudar o general a meio da batalha.

Foram, contudo, sendo mudados coronéis e capitães. Graça Freitas perdeu um dos seus coronéis – a subdiretora Catarina Sena – em plena pandemia, vítima de cancro. E, entretanto, o outro subdiretor-geral, Diogo Cruz, há dois anos cargo, entendeu que era altura de voltar para o seu lugar no Hospital de Santa Maria.

Em agosto, foram nomeados para subdiretores Rui Portugal, que já era o coordenador para a Covid-19 na região de Lisboa e Vale do Tejo, e Vanessa Gouveia, que era administradora hospitalar no Centro hospitalar de Lisboa Norte. Abaixo na cadeia da DGS já tinham ocorrido mais substituições.

Em junho tinha saído a diretora dos Serviços de Informação e Análise, Graça Lima, que pediu para sair depois de ter estado um período de baixa medica. Foi substituída por Inês Fronteira.

No início de julho, saiu Rita Sá Machado, então chefe da divisão de Epidemiologia e Estatística, uma divisão da direção dos Serviços de Informação e Análise. Esta saída que deu mais nas vistas porque esta responsável era quem falava nas chamadas “reuniões do Infarmed” em nome da DGS e a sua saída foi conhecida depois de uma reunião em que, alegadamente, terá entrado em divergência com o primeiro-ministro. Contudo, terá sido só coincidência, pois Rita Sá Machado foi para a missão de Portugal junto da organização Mundial de Saúde, em Genebra, lugar para o qual tinha concorrido.

As “reuniões do Infarmed” foram, entretanto, suspensas e voltam esta segunda-feira noutro local e com novo formato. Uma ocasião para Graça Freitas e Marcelo Rebelo de Sousa se reencontrarem depois de uma semana de reparos públicos do Presidente à DGS, seja por causa do Avante, das regras para o ano letivo, do público para o futebol ou das diferenças de expectativas.