Novos crimes? Cidadãos querem é "justiça capaz e célere", diz presidente do Supremo
13-05-2021 - 18:18
 • Susana Madureira Martins

No último discurso como presidente do Supremo Tribunal, António Joaquim Piçarra critica quem defende mais de dois juízes no "Ticão", embora admita que o sistema judicial precisa de mudanças.

António Joaquim Piçarra mostrou-se, esta quinta-feira, no seu último discurso como presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), contra a criação de novos crimes nos mega-processos.

Com a perspetiva de uma nova lei de criminalização do enriquecimento injustificado produzida pelo Parlamento, Piçarra avisou que não devem ser criados "atalhos" e destacou que o que os cidadãos querem mesmo ver é maior celeridade na resolução dos processos.

"Se criarmos novos tipos de crime e os processos continuarem a durar 10, 15 ou mais anos, isso será importante? Diria que para os cidadãos pouco interessa o ilícito ou ilícitos em causa. Interessa-lhes, sim, uma justiça capaz e célere a investigar e a julgar os factos ilícitos e, se comprovados, a punir os seus autores. A verdadeira tutela dos bens jurídicos essenciais assim o exige. Encontrar atalhos punitivos para contornar a dificuldade de perseguir os crimes efetivamente cometidos pode não ser bom caminho", salientou.

"Não, obrigado" a mais de dois juízes


Piçarra também criticou aqueles que defendem que o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), também conhecido como "Ticão", deve ter mais do que os dois juízes residentes.

O ainda presidente do STJ lembrou que, em 2020, o TCIC teve "menos de 20 instruções distribuídas, número que não se afasta de anos anteriores e mesmo desde a sua criação, em 1991, com apenas um juiz":

"Nenhum tribunal do país tem números tão reduzidos ou sequer aproximados. Nem mesmo os tribunais criminais que julgarão os mesmos processos que em fase de instrução correm no Tribunal Central de Investigação Criminal têm números sequer próximos destes."

"O que quer isto dizer? Quer dizer que essa ideia empírica de somar mais juízes a esse tribunal não tem sustentação numa lógica de boa gestão do sistema. O Estado não consente mais alterações e reformas irracionais", sublinhou.

Alterações, sim. Mas bem pensadas


António Joaquim Piçarra ressalvou que as suas críticas não querem dizer que não sejam necessárias alterações ao sistema judicial. Contudo, frisou que estas devem ser "devidamente pensadas e trabalhadas para o reforço do sistema e da sua capacidade de resposta".

"Não para resolver problemas individuais. Não para esconder idiossincrasias de algum agente. É isso e apenas isso que espero que suceda", vincou.

Nesse sentido, o presidente do STJ apontou o maior problema do sistema judicial atual: "A gestão dos processos especialmente complexos, especialmente na área criminal."

"É uma falta grave que põe em caso o funcionamento de toda a justiça, afeta seriamente a sua credibilidade e motiva a desconfiança dos cidadãos. E mais grave ainda: põe também em causa até o sistema democrático", reconheceu.

O Presidente da República e o primeiro-ministro marcaram presença na cerimónia de reinauguração do Supremo Tribunal de Justiça, mas não prestaram declarações à comunicação social.

As instalações em Lisboa sofreram obras profundas no último ano e reabriram com uma cerimónia solene em que participaram Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, que não discursaram nem quiseram depois falar aos jornalistas no final.