Do terrorismo ao governo
11-02-2020 - 06:17

Pela primeira vez na República da Irlanda, o Sinn Féin, que era o braço político do terrorista IRA, pode chegar ao poder. Mas isso já tinha acontecido no Ulster.

Nas eleições na República da Irlanda, no sábado passado, o partido Sinn Féin alcançou um resultado surpreendente, que lhe permite admitir a possibilidade de chefiar o próximo governo (no momento em que escrevo ainda não estão contados todos os votos). O Sinn Féin era o braço político do movimento terrorista IRA (exército Republicano Irlandês).

Mas na Irlanda do Norte (Ulster, integrado no Reino Unido) o Sinn Féin já há duas décadas havia abandonado a violência mortífera, enveredando por se tornar um partido democrático normal. Esta viragem foi impulsionada por Gerry Adams, anterior líder do Sinn Féin. E outro ex-terrorista, Martin McGinness, tornou-se membro do governo do Ulster, tendo contribuído para o acordo de paz de 1998 entre protestantes, defensores de manter a integração no Reino Unido, e católicos, republicanos desejosos de se juntarem à República da Irlanda. O ex-terrorista McGuiness era um homem respeitado, que morreu em 2017. Ou seja, há muito que o Sinn Féin tinha tomado parte num governo pela via democrática, no Ulster.

O partido é o mesmo na República da Irlanda e no Ulster. A sua líder atual é uma habitante de Dublin, Mary Lou McDonald, que sucedeu a Gerry Adams, morador no Ulster.

Agora o Sinn Féin, de esquerda, e criado em 1905 contra o “colonialismo britânico”, afirma-se na República da Irlanda, ultrapassando os dois partidos de centro-direita que ali governaram desde que o regime republicano foi proclamado, em 1948. Trata-se do Fine Gael e do Fianna Fail, cuja separação teve origem na guerra civil entre independentistas irlandeses em 1922-23.

Curiosamente, o Brexit não foi tema muito discutido durante a campanha eleitoral. Assim como não foi a unificação da ilha, com a integração do Ulster na República da Irlanda. Embora o objetivo a longo prazo do Sinn Féin seja reunificar a Irlanda, tudo indica que a República da Irlanda, assim como o Sinn Féin, não irão precipitar-se a exigir essa integração. Até porque não seria fácil lidar pacificamente com os protestantes unionistas do Ulster.

Apesar de a economia irlandesa (da República) crescer a quase 5% ao ano, persistem ali graves problemas sociais, nomeadamente a falta de habitação acessível a uma grande parte da população, sobretudo aos jovens, bem como a perda de qualidade dos serviços públicos, em particular na saúde.

Tal como Portugal, a Irlanda teve de pedir assistência financeira à “troika”. Mas o enorme défice das contas públicas irlandesas foi provocado pela loucura dos seus principais bancos, que emprestaram irresponsavelmente montes de dinheiro para comprar casa, cujos preços subiram vertiginosamente. Muitos irlandeses não conseguiram pagar o crédito e o Estado irlandês teve que assumir gigantescas dívidas bancárias, para evitar o colapso dos bancos. Não foi, assim, um problema económico, mas bancário.

Agora, o problema irlandês é sobretudo social. É nisso que o Sinn Féin aposta.