Não são as mulheres que não querem ter filhos
25-06-2021 - 06:45

Olhem por favor para aquilo que se passou durante a pandemia: todos os estudos e reportagens indicam uma sobrecarga das mulheres e não dos homens. A pauta é esta: as mulheres e mães estão esgotadas.

Em Portugal ou nos EUA, a pandemia teve um efeito demográfico: a natalidade baixou. Estamos a ter ainda menos filhos. Ora, cá ou lá, quando se aborda este tema, a culpa acaba sempre no colo das mulheres; é como se elas fossem as únicas responsáveis pelo inverno demográfico; é como se os filhos fossem um assunto exclusivo do universo feminino. Lê-se e ouve-se, 'As mulheres não estão a ter filhos’, ‘Elas não querem ter filhos’, ‘Elas colocam a carreira à frente da família’.

Peço imensa desculpa, mas tenho de perguntar: as mulheres têm filhos sozinhas? Porque é que não se fala dos homens? Até porque eu acho que a responsabilidade central deste problema está nos homens; está incapacidade masculina para assumir responsabilidades domésticas de cuidador de filhos. Não, o problema não está nas mulheres; está nos homens que recusam partilhar o fardo doméstico que é criar crianças. Quem é que assume o papel de cuidador de velhos acamados? Quase sempre elas. Quem é que assume o papel de cuidador dos filhos pequenos? Quase sempre elas.

Olhem por favor para aquilo que se passou durante a pandemia: todos os estudos e reportagens indicam uma sobrecarga das mulheres e não dos homens. Claro que há homens que são excepções, mas esses homens são desvios do padrão, notas desafinadas da pauta. E a pauta é esta: as mulheres e mães estão esgotadas porque a tripla acumulação de tarefas (lida da casa, aulas dos miúdos e a profissão) foi uma realidade sobretudo feminina e não masculina. Não me esqueço de um dos primeiros indicadores logo do início da pandemia: os investigadores académicos homens mantiveram o seu ritmo de entrega de papers; o ritmo das investigadores mulheres baixou logo antes do verão de 2020.

Através da pandemia, as jovens mulheres na idade certa para a maternidade perceberam de forma ainda mais clara uma triste evidência civilizacional: eles não querem assumir responsabilidades domésticas com os filhos, isto é, até não se importam de ter filhos mas querem que sejam elas a cuidar da criançada; não querem abdicar ou desacelerar a carreira em nome da família. Tendo em conta este perfil masculino, a jovem mulher está a fazer um cálculo óbvio: 'só tenho filhos com um homem que partilhe comigo o fardo que é criar uma criança; eu não posso ser a única a perder dias de trabalho para ficar com o bebé/criança doente em casa'.

Antes, durante e depois da pandemia, é esta a grande causa do inverno demográfico: o homem não quer partilhar com a mulher o fardo doméstico que é criar filhos; não quer ficar em casa nos dias em que o bebé tem febre, porque considera indigno que o papel de cuidador doméstico se sobreponha à carreira profissional. E porque percebe que criar um filho é um trabalho muitíssimo mais cansativo e exigente do que qualquer carreira profissional. Desta forma, lá vai encontrando desculpas esfarrapadas na biologia ou na cultura para se esquivar ao papel de cuidador.

Enquanto não desviarmos o foco das mulheres para os homens, vamos continuar a não compreender este problema. As mulheres de 2021 estão com a cabeça em 2021. Os homens de 2021 estão com a cabeça em 1980 ou mesmo 1950, ainda não se adaptaram à emancipação feminina e às consequências dessa emancipação no conceito de família.