O homem que quer revolucionar a comunidade judaica em Lisboa
29-01-2018 - 07:00
 • Filipe d'Avillez

"Não vim para Portugal para que daqui a cinco anos a realidade judaica seja igual", diz Natan Peres, o novo rabino de Lisboa. Em Portugal não se sente o antissemitismo, garante.

Natan Peres nasceu no Brasil há 44 anos, mas foi em Nova Iorque e, mais tarde, em Jerusalém que se formou até se tornar rabino. Depois de algum tempo em Londres e em Amesterdão, na sinagoga sefardita onde ainda se fala português, aceitou o desafio de ser rabino da comunidade judaica de Lisboa.

A comunidade de Lisboa é pequena, mas está a crescer ao mesmo ritmo do interesse de estrangeiros em visitar ou viver na capital portuguesa. Neste momento não existem infra-estruturas ou serviços para poder servir uma população judaica significativa, mas isso poderá mudar, espera o rabino Natan, que reconhece que nesta altura um judeu observante tem dificuldade em ir jantar fora sequer pela falta de restaurantes "kasher", palavra usada pelos sefarditas para designar a comida preparada de acordo com os preceitos religiosos, sinónimo de "kosher", usado mais pelos judeus asquenazes.

“A comunidade em Lisboa tem um legado muito importante, tem uma história muito rica, tem tradições. Mas temos muito para criar em relação a infra-estrutura judaica, em relação à disponibilidade de alimentos 'kasher', ao ensino e a educação judaica. A ideia é criar uma estrutura judaica mais forte em Lisboa, recolocar o judaísmo português no mapa do judaísmo mundial”, admite.

“Claro que o nível de conexão dos judeus ao judaísmo varia muito e a nossa comunidade não é diferente. Mas as pessoas que vivem de acordo com os princípios judaicos e aqueles que vêm visitar e se interessam por poder vir viver para Portugal querem saber desse tipo de coisas. Temos muito trabalho a fazer", reconhece.

Quando o anterior rabino, Eliezer di Martino, saiu de Lisboa disse à Renascença que a principal razão que o levava a partir era querer uma vida social judaica mais activa para as filhas. O novo rabino, que admite ter recebido conselhos de di Martino (“nas comunidades judaicas todos têm conselhos para dar, mas os conselhos do rabino Eliezer são especiais, obviamente”), também tem um filho menor que virá viver com ele para Portugal.

“Para mim é um desafio. Eu não vim para Portugal para que daqui a cinco anos a realidade judaica seja igual. Eu tenho também interesse em criar um projecto que mude esta realidade, porque eu tenho um filho cá.”

“Em Portugal o antissemitismo não se sente”

Décadas após o Holocausto – ou Shoah, como preferem dizer os judeus – a Europa está novamente a enfrentar um aumento de casos de antissemitismo. Uma peculiar conjugação de forças, desde uma extrema-esquerda anti-israelita a uma extrema-direita antijudaica, passando por focos de fundamentalismo entre as comunidades muçulmanas, tem levado muitos judeus a querer abandonar a Europa.

Algumas das mais recentes ameaças, diz a comunidade judaica, têm surgido sob a capa de defesa dos direitos dos animais, procurando proibir o abate de animais de acordo com as regras religiosas, o que, na prática, torna a carne inacessível, ou muito cara, para judeus e muçulmanos. Noutra frente, alguns países debatem a proibição da circuncisão por motivos religiosos, um acto fundamental para judeus e para alguns grupos muçulmanos também.

"Temos acompanhado isso, mas antes de falar sobre o que está a acontecer lá, acho importante começar por colocar ênfase no que está a acontecer de positivo, e nós congratulamo-nos muito pelo facto de não ter que lidar com este tipo de realidade em Portugal, o antissemitismo cá não é uma coisa que se sinta e isso é uma coisa muito importante que tem de ser dita", diz Natan Peres.

Outro factor positivo é que naqueles países os desafios têm criado pontes inesperadas entre judeus e muçulmanos. “Isso é muito interessante. As circunstâncias e os desafios em relação à religião em geral podem unir e levar a perceber o que temos em comum. Vemos de facto isso a acontecer na Holanda, na Bélgica e noutros países, onde estamos a colaborar, e esse diálogo é também muito importante, porque começa em relação a assuntos de interesse mútuo, mas conduzem a uma realidade de maior comunicação entre as religiões, o que me parece muito positivo.”

Também nesse campo Portugal tem sido sempre um exemplo de convívio fraterno entre as diferentes religiões, algo a que o rabino quer dar continuidade. Contudo, mesmo as relações mais amigáveis são por vezes desafiadas pela realidade geopolítica, e não há comunidade judaica no mundo que não seja afectada pelos desenvolvimentos em Israel.

Perguntamos então ao rabino Natan o que pensa da recente decisão por parte dos Estados Unidos de reconhecer Jerusalém como capital do estado de Israel. A resposta foi clara, por um lado, mas cautelosa por outro: “Jerusalém é a nossa capital religiosa, a cidade que significa tudo para o judaísmo e para a nossa história. mas depois existe a realidade geopolítica e o que acontece no Médio Oriente não me cabe a mim, enquanto rabino na diáspora, comentar.”

“Estas questões políticas de vez em quando influenciam-nos a questionar coisas que não são questionáveis. A nossa ligação a Jerusalém é uma coisa que não se deve questionar. Agora, ser ou não ser a capital de um Estado judeu, é um departamento diferente. Cabe aos órgãos políticos resolver a questão do estatuto de Jerusalém”, afirma.

Judeus compreendem os refugiados

Durante milénios os judeus tiveram de se habituar à dura realidade de fugirem dos países em que viviam. Esse facto torna-os particularmente sensíveis à realidade dos refugiados que se vive actualmente na Europa e no Médio Oriente.

“O povo judeu encontrou-se várias vezes, ao longo da história, numa posição de refugiados. Se há algum povo que pode compreender a situação dos refugiados e o quão difícil isso é, somos nós", diz o novo rabino de Lisboa.

“Estas coisas têm de ser lidadas de forma a não influenciar negativamente a situação geopolítica em geral”, diz o rabino, “mas em relação a ajudar o próximo, ajudar os refugiados, é nosso dever fazê-lo, obviamente de uma maneira que não crie outros problemas.”

“A Europa ainda está a aprender a lidar com este influxo, uma realidade nova, em relação ao número de pessoas, mas acho que estamos na direcção certa”, considera.