Portugal e as ex-colónias
23-12-2020 - 06:39

Há problemas sérios em várias antigas colónias portuguesas em África. Talvez o mais assustador aconteça desde há quatro anos no Norte de Moçambique, onde o “Estado Islâmico” ataca com as barbaridades que lhe são próprias. Mas os portugueses não parecem interessar-se por aí além por aquilo que se passa nas ex-colónias.

Neste ano que está a chegar ao fim, a pandemia monopolizou as notícias e os comentários a partir de março. O que explicará, em parte, que só neste mês de dezembro a trágica situação na província moçambicana de Cabo Delgado tenha ocupado algum espaço na comunicação social e na política do nosso país. O Parlamento aprovou resoluções para colocar o problema de Cabo Delgado na agenda internacional.

Aliás, também não sido dada grande atenção, por cá, ao caos político e militar que continua na Guiné-Bissau, bem como ao acentuar do autoritarismo do Presidente de Angola, João Lourenço, liquidando as esperanças de uma séria viragem de sentido democrático depois da saída de José Eduardo dos Santos.

O caso de Cabo Delgado, província do Norte de Moçambique, provocou reuniões na Assembleia da República. E os apelos angustiados do bispo de Pemba, D. Luís Fernando Lisboa (Pemba é a capital da província de Cabo Delgado) tiveram algum eco entre nós. Mas em agosto já o Papa Francisco tinha telefonado ao bispo de Pemba, solidarizando-se com a terrível situação que se vive ali.

Algumas críticas do bispo de Pemba foram mal recebidas por dirigentes da Frelimo, o que reforça a ideia de que o governo de Moçambique não tem capacidade, nem porventura vontade, para enfrentar os ataques dos “jihadistas”, que matam, torturam e incendeiam casas em Cabo Delgado, em nome do “Estado Islâmico”. E até parecem confirmar-se suspeitas de que os militares da Frelimo nem sempre têm tratado bem a desgraçada população daquela província. Os deslocados que fogem aos ataques bárbaros dos “jihadistas” já ultrapassam meio milhão, criando uma séria crise humanitária.

Qual a influência nesta tragédia de se ter encontrado gás natural naquela zona? Um consórcio de empresas petrolíferas, lideradas pela Total, entrega dinheiro ao ministério da Defesa de Moçambique, para garantir a segurança do empreendimento. Mas quem protege os habitantes, que estão entre os mais pobres de Moçambique?

Começam a surgir apelos a uma intervenção militar internacional, patrocinada pela ONU. E certamente A. Costa terá oportunidade de promover o assunto na agenda internacional, durante a presidência portuguesa da UE, no primeiro semestre de 2021.

Mas os ataques em Cabo Delgado começaram em 2017. Como se explica que só recentemente se fale entre nós desta tragédia? Creio que esse é mais um sinal de como as ex-colónias africanas não são um assunto que atraia a maioria dos portugueses.

Não é um sentimento só de hoje. Na segunda metade do séc. XIX e na sua luta contra a monarquia então vigente, os republicanos usaram o tema das colónias africanas para acusar de ineficácia o regime monárquico. A defesa dessas colónias contra o imperialismo de grandes países europeus, como o Reino Unido e a Alemanha, foi uma bandeira que, uma vez instaurada, a República sempre agitou. E a ditadura de Salazar enfrentou “orgulhosamente só” o movimento de descolonização.

Só que nunca houve um caudal significativo de emigração do Continente para as colónias. Os portugueses preferiam outros destinos, como o Brasil, primeiro, e depois França e outros países europeus. O império colonial português era um sonho sem correspondência na realidade. Daí que, apesar do regresso a Portugal de cerca de 700 mil retornados depois do 25 de Abril, o fim do “império” não tenha provocado o abalo emocional no país que alguns previam. E os retornados até deram uma contribuição importante para o relançamento da nossa economia, depois dos tempos agitados do PREC (processo revolucionário em curso).