Marcelo Rebelo de Sousa. “Os privados estão a fazer o que podem”
16-01-2021 - 00:01
 • Paula Caeiro Varela (Renascença), Leonete Botelho (Público)

Marcelo Rebelo de Sousa não se atreve a prever até quando é que o país terá de estar em estado de emergência, até porque afirma que o plano de vacinação pode demorar ano e meio.

Sem admitir que haja “preconceito ideológico” do Governo em relação aos privados na saúde, o Presidente que se recandidata admite que houve “atrasos” na preparação da articulação com o setor privado e social da saúde, não apenas no combate à pandemia como na resposta a problemas não-Covid.

O Hora da Verdade com Marcelo Rebelo de Sousa vai ser transmitido este sábado, a partir das 12h00, na Renascença, no espaço onde habitualmente passa o programa Em Nome da Lei.


Teve um teste positivo, seguido de dois negativos, mas não ficou em isolamento profilático. Não é um mau exemplo para o cidadão comum, a quem basta um contacto com um infetado para ficar em quarentena obrigatória?
Essa é uma questão que tem de colocar às autoridades, são elas que definem critérios, às vezes aparentemente difíceis de compreender.

Eu tive um contacto de baixo risco e o que foi determinado foi a auto-vigilância passiva durante 14 dias, podia fazer a atividade normal, mas tinha de ter cuidado com deslocações exteriores para evitar aglomerações. Somou-se a isso outro contacto também de baixo risco e a decisão foi estender até dia 24 a auto-vigilância passiva. Tenho de comunicar todas as deslocações que faço, porque há uma preocupação de monitorização com situação, o que torna muito difícil a gestão da vida. Não quero criticar as autoridades sanitárias, já fui criticado por ter ficado ligeiramente irritado com a demora na decisão.

Com os atrasos previsíveis do fornecimento de vacinas, receia que haja atrasos na execução do plano de vacinação?
Por toda a Europa há um ritmo de fornecimento que não corresponde às expectativas e critérios estabelecidos. Eu, cuidadosamente, tenho dito que não se devia elevar muito as expectativas. As pessoas puseram-se em fila de espera da vacina, ao menos mentalmente, e estão à espera de ser contactadas. É melhor dizer aos portugueses que o processo de vacinação vai durar um ano e meio. Os primeiros e segundo grupos vão demorar até ao fim da Primavera, começo do Verão. Se houver intermitências do fornecimento, temos um deslizar que torna ainda mais importante a eficácia do confinamento e do estado de emergência.

Tem assumido a “suprema responsabilidade” da gestão à pandemia. Sente-se responsável pelo abrandamento de medidas no Natal, que levaram ao aumento de casos e óbitos?

Sim, eu sou responsável por isso, neste sentido: apesar de todos os partidos terem tido uma posição nesse sentido [do alívio das medidas] ou terem posições ainda mais liberais, porque estão mais preocupados com a economia e a sociedade do que propriamente com a saúde e a vida, o que é facto é que eu subscrevi o decreto de execução do estado de emergência. Quando corre bem, os autores sentem-se bem; quando corre mal, naturalmente são reprovados.

A ministra da Saúde decretou na quarta-feira o adiamento de cirurgias prioritárias, e mandou os hospitais públicos a passarem ao nível máximo de contingência. O privado pode e deve fazer mais do que está a fazer?
O privado está a fazer o que pode. Há acordos múltiplos no país todo com os privados em termos de Covid e estão a fazer o que podem em termos de não-Covid. O sistema de saúde todo ele – o SNS, mais o social e o privado –, todos estão a fazer o que podem para encontrar camas e equipas e alocar os meios para responder à convergência entre Covid, gripe sazonal num inverno rigoroso, e as outras patologias. Agora, é evidente que, se os números atingem determinada expressão, isso implica – como implicou em momentos anteriores – atrasos em consultas em listas de espera no SNS, mas também no sector social e privado.

O candidato considera que há um preconceito ideológico do Governo em relação aos privados?
Admito que, depois de um arranque em que se improvisou muito e em que se avançou com projetos de acordos entre as administrações regionais de saúde de cada área e os hospitais um a um, admito que tenha depois havido um atraso a partir de maio, na sequência da descompressão [da pandemia], em vários aspetos. Desde logo havia uma antevisão de que a segunda vaga viria mais tarde, que a pressão e o stress [dos serviços] seriam menores – e isso não aconteceu só em Portugal e essa avaliação não foi correta. Mas dentro dessa avaliação não correta criou-se a ideia de que não era necessário avançar com uma previsão de utilização de mais social e mais privado. Neste momento, estão a ser chamados permanentemente, até porque a própria necessidade tem imposto que sejam.

Por quanto tempo mais prevê que tenhamos de estar em estado de emergência?
A pandemia tem sido inesperadamente muito mais longa e muito mais complexa de gerir. Nós temos de ver qual é a gravidade da pandemia. Uma coisa é a pandemia com a gravidade que tem tido ou pode vir a ter, outra coisa é uma pandemia a esbater-se e a desaparecer progressivamente.

Não há uma banalização do estado de emergência?

A democracia teve essa grande riqueza: prever situações de exceção. Não previu exatamente para este tipo de problemas, nem tão longos. Mas os partidos todos entenderam, coloquei a questão logo no início. Não fazia sentido estar a debater e votar uma lei de emergência sanitária - que aliás a provedora de Justiça estava a estudar - durante a pandemia. Mas concordo que é preciso legislar.

Sobre as eleições presidenciais, abdicou de fazer campanha pela via direta. Não tem diretor de campanha, não tem site oficial e até abdicou de participar nos tempos de antena. Isto não desvaloriza a eleição presencial?
Não. Há cinco anos tinha uma estrutura de campanha de cinco pessoas, não tinha cartazes, não tinha material de campanha, tina uma sede exígua, em Lisboa, não tinha sedes por todo o país. Fiz uma campanha pessoal, com um motorista de táxi. Na altura, não havia pandemia e não era Presidente da República, pude percorrer pontos que tencionaria agora percorrer - mas não pude - e, portanto, o formato de campanha é muito idêntico ao que foi o meu há cinco anos. Não há uma mudança qualitativa na campanha. A segunda questão era sobre os tempos de antena. Agora, há uma diferença qualitativa em relação há cinco anos: é que eu estive em tempo de antena cinco anos.

Uma abstenção de 75 por cento não retira legitimidade ao Presidente?
Eu acho que não. Há países que têm cronicamente 30 por cento de votantes, a América, Reino Unido várias vezes, as democracias têm. Importa apelar ao voto e elogiar os que se inscreveram no voto antecipado, que são mais de 200 mil, e apelo a que todos vão votar. O problema é este: verdadeiramente os portugueses estão a acompanhar e a vibrar com esta campanha eleitoral. A prova são as audiências televisivas e radiofónicas.