Unicidade de Consciência ( parte I)
10-07-2021 - 08:50

Brandão Rodrigues, entre aumentar o nível de desempenho escolar e a redução do seu abandono, parece ter como grande ambição criar uma Escola Pública doutrinada e doutrinal verdadeiramente “costista” (não imposta por Costa mas à semelhança do velho Afonso). Motor da mudança das mentalidades e educadora do povo.

Portugal faz gala em avançar, na linha da frente, em muitas coisas. É pena que não o faça em matérias de direitos dos trabalhadores ou dos contribuintes; regras de transparência ou anticorrupção; luta pelos direitos da mulher na intransigência contra a violência doméstica ou exigência de salário igual para trabalho igual. Mas, quando a base ideológica é forte e a carga de experimentalismo social grande, somos dos primeiros a subscrever, acriticamente, qualquer coisinha. Vale a pena acordar para o que se passa, por cá e na Europa, nessas matérias. Joga-se a liberdade de consciência. O aborto quer-se direito em vez de “mal menor”. A educação reduz-se à caricatura da defesa da escola pública versão 1910, não ensina a pensar, doutrina o povo.

Nas últimas semanas tivemos dois episódios a comprovar bem a nossa ânsia seguidista: o puxão de orelhas dado pelo Tribunal Constitucional sobre a tentativa de imposição “de uma matriz ideológica de género” em todo o sistema escolar, em boa hora contestado por 86 deputados (PS/PSD e CDS) e a polémica em torno da nova carta europeia dos direitos reprodutivos das mulheres onde “o aborto” é visto como “um direito ”, ao nível dos demais direitos humanos. Desta vez, reservado às mulheres. Como se as criancinhas não tivessem pais, com uma palavra a dizer. Mas, adiante… Fomentar a co-responsabilidade parental é tarefa de outros burocratas.

A dita carta europeia, já aprovada no Parlamento Europeu, é de tal forma perversa que até o modo como está redigida a denuncia. Ameaça acabar, num caminho sem retorno, com o direito à objeção de consciência dos profissionais de saúde. Note-se que a tratam já como “ a chamada (sic) cláusula de consciência”. Como se, efetivamente, ela nunca tivesse legitimidade de existir ou sequer existisse.

Como bem referiu Paulo Rangel, num texto recente do Público, o longo relatório Matic fonte de inspiração legislativa, em dois pequenos pontos, lá pelo meio, (parágrafos 37 e 38), num “precedente gravíssimo “, põe claramente em causa o “ último reduto a liberdade de consciência”. Isto basta para verificar que estamos já no que Rangel classifica como a passagem para o “patamar que separa um Estado democrático, livre e tolerante de um estado totalitário”. Subscrevo.

Sobre a mesma carta não resisto a recomendar a leitura atenta, no jornal digital Sete Margens, de um texto precioso do Juiz Pedro Vaz Pato, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, contestando que o aborto possa ser visto como “direito da mulher” e , ainda menos, atribuindo à sua proibição ou regulamentação restritiva a característica de “violência de género”. Vaz Pato mostra uma quase ironia no texto europeu citando um artigo da Lancet Global Health, de 8 de Abril deste ano, que revelava que nos últimos 30 anos o aborto “selectivo” de fetos – meninas eliminou 22 milhões de mulheres, apenas e só por serem exatamente isso: mulheres.

Já em 2010 a The Economist , num artigo, igualmente notável que deu origem à capa “ Gerdercide”, denunciava os milhões de abortos e infanticídios cometidos, na China, devido à política do filho único. Em 2017 voltava ao tema mostrando que as coisas pareciam estar a melhorar ligeiramente. Afinal não.

Curiosamente o relatório que estabelece também “o aborto” como “ direito” não é mais do que uma “resolução” onde o PE se permite emitir uma série de recomendações políticas, de liberalização total do aborto, dirigida aos vários Estados membros, numa matéria para a qual a própria União não tem sequer competência legislativa e que é da reserva exclusiva dos Estados, não podendo ser objeto de nenhuma política comum da União. Por cá o truque usado para governar escapando, discretamente, ao escrutínio popular, parece ser o mesmo. Publica-se em regulamento o que cabe à Assembleia legislar. Foi o caso da lei 38/2018, em boa hora mandada para o TC.

É verdade, não estamos sozinhos. O Vírus, pretensamente modernista, corre à velocidade da pandemia, um pouco por todo o mundo, e vai gerando, ao mesmo ritmo acelerado, uma espécie de pandemia de anticorpos polarizadores do seu contrário (veja-se o que se passa na Hungria, ou na Polónia ou mesmo na atual presidência eslovena do Conselho Europeu). O mundo a preto e branco serve, muito bem, a cultura de ódio e impede o debate sereno e respeitador sobre questões essenciais e valores partilhados. “Se não és, por mim, és contra mim”, é a arma de arremesso dos pequenos déspotas.

Por cá, a pressa socialista, em liderar a agenda dos costumes, pode ser vista como “o preço a pagar”, pela governação PS, a troco do generoso apoio do BE na 1º Geringonça e da compra do seu silêncio, calculado mas cúmplice, na actual legislatura minoritária.

Uma agenda fraturante tem um custo financeiro muito menor do que a cedência às imposições do voto favorável do partido comunista. Este, apresenta exigências de melhoria de condições de vida das pessoas, com impacto quase sempre negativo no défice. Mais prestações sociais, melhores pensões, reforço do SNS, menos impostos não permitem ser “ bom aluno em Bruxelas”. A partilha de uma agenda colorida é muito mais barata e fácil de exibir.

Mas, a revolução nos chamados costumes (a começar no aborto e a acabar na eutanásia) não é exclusiva do BE. É partilhada, por exemplo, pela IL que assim consegue unir o ideário liberal à velha herança anarco/libertária e o popular ao populismo.

Existe além disso um “novo” PS que a faz sua, lembrando o velho e estafado estilo da primeira República. O lobby anticlerical é substituído, agora, pelo ativismo militante LGTBI, a que se somam os defensores da escola pública que olham todos os outros sectores como “ameaças” ao ideário dos verdadeiros educadores do povo que deveria ser partilhado por toda a Nação e, obviamente, a bem da Nação. Os extremos tocam-se.

A fúria estatista, desse novo-velho PS ( anti-Guterres) , é partilhada , embora em graus diferentes, pelas novas candidaturas à liderança (Pedro Nuno Santos e Ana Catarina Mendes ), conta com a bênção de Carlos César e não causa particular incómodo a António Costa. No seu estilo mais moderado e conciliador, à falta de melhor, o primeiro-ministro é também o primeiro a colocar na lapela os “grandes avanços civilizacionais” conseguidos, pelos governos em que participa, desde o consolado Socratista.

Quanto a Brandão Rodrigues, entre aumentar o nível de desempenho escolar e a redução do seu abandono parece ter como grande ambição criar uma Escola Pública doutrinada e doutrinal verdadeiramente “costista” (não imposta por Costa mas à semelhança do velho Afonso). Motor da mudança das mentalidades e educadora do povo.

Os pais que se remetam à sua insignificância e os filhos que absorvam ao ritmo “possível” já parecem chegar-lhe. Basta ver o tonto braço de ferro travado com os desgraçados pais e filhos de Famalicão que exigem pôr em prática a “liberdade de ensino” e “consciência”. Como se o exercício da cidadania não pudesse substituir, com vantagem, o debitar da cartilha “cidadanista”.

O puxão de orelhas do acórdão constitucional é, exatamente, dedicado ao desvelado ministro. O Tribunal não se pronuncia sobre a matéria de fundo da lei 38/2018 que pretendia impor a todo o sistema educativo (Público e Privado) e em todas as escolas uma orientação ideológica que, a coberto da defesa dos direitos já Constitucionalmente consagrados, não fazia mais do que, sem debate e sem escrutínio, como Henrique Monteiro desmascarou no Expresso, ou seja “ à socapa”, entrar em matéria fundamental de direitos liberdades e garantias da reserva legislativa da Assembleia da República.

Se o Governo pretender continuar a impor, como prioritária, a magna discussão sobre como e quando devem os alunos usar “as casas de banho escolares” e qual a sinalética que lhes deve estar associada, então que a discussão ideológica-fulcral que lhe está subjacente passe pelo Parlamento. Aí, no plenário, à luz do dia e sem cortinas se debata o que pretendem os lobbies que se dedicam à promoção da agenda que os deputados contestatários designam, e bem, da “ ideologia de género”.

Para os que afirmam desconhecer do que se trata e acusam os opositores de estarem a criar fantasmas na cabeça dos meninos, podem ler os documentos do magistério da Igreja que alertam, os crentes, para os malefícios da dita, e que o Papa Francisco, que não é propriamente conservador, tantas vezes refere como “uma verdadeira

ideologia” a que os cristãos não podem ficar indiferentes nem tomar como boa e a que precisam de responder refletida e criticamente.

Não é uma questão política, nem religiosa (em sentido estrito). É uma questão civilizacional e de consciência e o mundo que se torna tão forçadamente tolerante em tanta coisa, não admite aqui, nenhuma divergência.

Há gente que respeitando religiosamente os direitos de todos, não está disposta a deixar de considerar a definição de raparigas e rapazes com base na sua diferenciação sexual e cromossomática para passar a tomar como boa uma definição vagamente fluida, condicionada por questões culturais, psicológicas e afectivas, e que podem gerar uma multiplicidade de combinações possíveis, dando a cada letra L-G-B-T-I, um quadradinho a que se acrescentam os “vários” em substituição dos velhos dois quadrados colocados à disposição na resposta à pergunta básica do bilhete de identidade.

Género? E lá se colocava : F (de feminino) ou M (de masculino). Tudo para responder à questão ainda mais prática: homem ou mulher? Muito útil para a construção de tabelas de peso, percentis de crescimento, categorias desportivas etc…?

Isto não implica nenhum desrespeito constitucional, muito pelo contrário. Não fomenta ódios, bullying, racismo, homo ou hetero fobias.

Não implica meter-se na cama de ninguém. Um ser humano não se define pela sua orientação, gostos, ou hábitos sexuais. O respeito por todos não implica a devassa da partilha de vida de estatuto de forma de estar ou de viver dos outros. Embora se formos por aí …é bom que se comece desde já a pensar porque continuamos a não permitir legalmente a poligamia? Fará ainda sentido? Em pleno século XXI?

Ou continuamos todos de acordo em ver, na monogamia, um progresso civilizacional e uma forma de empoderamento e proteção da mulher. Será que devemos referendar a questão? Fica para a próxima.