Adriano Moreira faz 100 anos. "As instituições são a única coisa de sobrevivência e de eternidade. Não somos nós"
05-09-2022 - 20:00
 • Raul Santos

As palavras foram ditas numa entrevista, quando ainda não tinha 90 anos. Esta terça-feira, 6 de setembro, faz 100.

“Sou muito institucionalista. Acredito que as instituições são a única coisa de sobrevivência e de eternidade. Não somos nós.”

As palavras foram ditas em 2008, durante uma entrevista ao Expresso, por Adriano Moreira, que, esta terça-feira, completa 100 anos de vida.

Adriano José Alves Moreira nasceu em Grijó de Vale Benfeito, concelho de Macedo e Cavaleiros, a 6 de setembro de 1922. Filho de um polícia também longevo (morreu com 93, em 1991) e de uma doméstica, mudou-se para Lisboa ao fim de um ano.

O pai servia na PSP e a família instalou-se no bairro de Campolide. Esse facto não impediu que Adrano Moreira fosse sempre transmontano

"A Lisboa da minha infância foi sobretudo uma Lisboa de bairros", conta no primeiro volume de "Memórias do Tempo de Vésperas".

"A emigração da interioridade para Lisboa deu origem a uma espécie de colónias interiores de índole comunitária", prossegue. Campolide era "uma espécie de aldeia".

Recordando as viagens entre a capital e as origens, Adriano Moreira diz, nas suas memórias: "Durante anos não me dei conta que realmente viajava entre Trás-os-Montes e Trás-os Montes."

Licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1944, e no começo do exercício da advocacia teve como patrono Jaime Gouveia, irmão de Acácio Gouveia, ambos oposicionistas e junto dos quais conviviam muitos outros oposicionistas. “Entre os meus maiores amigos de toda a vida esteve sempre o Teófilo Carvalho dos Santos”, recorda na já citada entrevista de 2008.

Assim se tornou simpatizante da Oposição Democrática e chegou a assinar uma lista do Movimento de Unidade Democrática (MUD), em 1945.

Acompanha Teófilo Carvalho dos Santos, maçon e, mais tarde, fundador do PS, na defesa do general José Marques Godinho, envolvido, em 1947, numa conspiração contra o regime.

O general, velho e doente, acabou por morrer na cadeia, apesar das solicitações da família para que fosse transferido para uma unidade hospitalar.

A família apresentou queixa contra o Ministro da Guerra, Santos Costa, por homicídio voluntário e fazer a defesa da família de Marques Godinho valeu a Adriano uma “estadia” na cadeia do Aljube, acusado de “ofensa à dignidade do Estado”.

“Foi uma posição profissional. Ele era responsável criminalmente e a Ordem dos Advogados apoiou-me completamente, bem como Marcello Caetano, na altura ministro da Presidência, mas que consultei como meu antigo mestre em Direito”, argumenta.

No Aljube, cruza-se com Mário Soares que, anos mais tarde, em “Portugal Amordaçado”, conta que Adriano Moreira fora então vítima de tortura da PIDE. “Soares estava a melhorar a minha biografia, porque não é verdade”, diria, desmentido o fundador do PS.

Tornou-se professor na Escola Superior Colonial, hoje Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), onde viria a ser a diretor, e “mergulha” nas teses lusotropicalistas, aproximando-se, desse modo, do Estado Novo.

Na entrevista de 2008 ao "Expresso", Adriano Moreira aponta dois factos que para si “representaram a queda do mundo”.

“A primeira foi quando me pediram para estudar o sistema prisional do Ultramar (…) Nessa viagem verifiquei que havia uma certa diferença entre o que as leis diziam e o que ali se passava. Foi uma mudança radical”, recorda.

A segunda “queda do mundo” foi “a ida às Nações Unidas, no final dos anos 50” quando percebeu “que o encontro das culturas foi, e é, o desafio fundamental.”

É chamado por Salazar para ser subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, em 1959, e, depois, ministro do Ultramar, em 1961.

“Chamou-me e disse-me: 'O senhor faz muitas críticas à nossa administração colonial. E se o convidasse para pôr as suas ideias em prática?' A conversa começou assim”, contou Adriano Moreira.

“Quando conheci o doutor Salazar, para mim era um homem velho. Nessa altura já só se ocupava da política internacional, da Defesa, e do Ultramar. Há ministros que estiveram anos sem ir a despacho com Salazar.”

No Ministério do Ultramar, Adriano Moreira faz mudanças e reformas, destacando-se a extinção do Estatuto do Indigenato, permitindo aos originários das colónias aceder à cidadania portuguesa e usufruir do direito a fixarem-se e circularem em qualquer ponto do território nacional.

Encontrou resistências e, ao fim de dois anos, Salazar disse-lhe discordar de algumas medidas: “Temos de mudar de política." Respondeu Adriano: “Vossa Excelência acaba de mudar de ministro.”

Não se queixa de qualquer retaliação ou dissabor motivado pelo rompimento. "Até o convidei [a Salazar] quando me casei. Nunca recebi dele qualquer falta de consideração."

No 25 de abril de 1974, encontrava-se no Brasil, em trabalho. Não voltou. A família - mulher e três filhos - seguiu para o Rio de Janeiro e lá nasceria o quarto descendente de Adriano Moreira e da ex-aluna, 23 anos mais nova, Isabel Mónica de Lima Mayer: Isabel, hoje deputada do PS.

Após o 25 de Abril, Adriano Moreira aderiu ao Partido do Centro Democrático Social, sendo seu deputado à Assembleia da República.

Foi igualmente presidente deste partido de 1986 a 1988 e, interinamente, de 1991 a 1992. Foi deputado à Assembleia da República até 1995, quando renunciou ao mandato. Em 2015, foi indicado pelo CDS-PP para o Conselho de Estado, exercendo funções até 2019.

Na já citada entrevista de 2008, é-lhe perguntado que figuras internacionais mais o inspiram. "As minhas admirações vão para Ghandi e Mandela. São os únicos santos laicos da política que conheci. E Churchill, é claro."