"Há quem queira desenvolver o ser humano 2.0". A frase é de Monsenhor Tomasz Trafny, responsável pelo departamento de Ciência e Fé do Conselho Pontifício para a Cultura.
Há alguns dias, Trafny deslocou-se do Vaticano até à capital portuguesa para participar na 6.ª edição do RALI - Realidade Aumentada em Lisboa, onde foi um dos oradores do debate sobre "O impacto da Realidade Aumentada na Cultura e no Homem".
Em entrevista à Renascença, o sacerdote enaltece muitas vantagens das novas tecnologias, como a realidade aumentada e a realidade virtual, mas reconhece que há um "risco de isolamento".
Sobre os que defendem que "não devemos ter limites no nosso auto-desenvolvimento", ressalta: "Precisamos de pensar sobre este assunto e precisamos de saber lidar com estas pessoas, desafiá-las, manter o contacto com elas."
Ferramentas tecnológicas como a realidade aumentada preocupam o Vaticano?
Não é preocupar. Nós procuramos entender todas as novas tecnologias. A linha orientadora do Conselho Pontifício para a Cultura é acompanhar tudo o que está a crescer e a ganhar impacto cultural na nossa sociedade. As tecnologias digitais, realidade virtual, realidade aumentada, já estão a ter impacto na perceção de nós mesmos, estão a mudar a forma como nos relacionamos e seguramente, no futuro, vão ser ferramentas poderosas usadas por muitas pessoas, se não até pela maioria. Por isso, é importante compreender que tipo de dinâmica está por trás do desenvolvimento destas tecnologias e que tipo de impacto podemos esperar.
Mas vê riscos nestas novas tecnologias?
Algumas pessoas acreditam que não devemos ter limites no nosso auto-desenvolvimento e, claro, as novas tecnologias são consideradas como oportunidades para isso, pelos que acham que devemos usar todas as ferramentas para nos melhorarmos, melhorar as nossas performances a nível físico e mental, tentar desenvolver um novo tipo de ser humano, simbolicamente chamado “Humano 2.0” ou “Humano +”. Este é, claro, um assunto muito interessante, não só do ponto de vista moral, mas também do ponto de vista antropológico e cultural. Demonstra-nos que as pessoas já não estão satisfeitas com elas próprias ou que não querem ter qualquer tipo de restrições no seu auto-desenvolvimento. Precisamos de pensar sobre este assunto e precisamos de saber lidar com estas pessoas, desafiá-las, manter o contacto com elas.
E que vantagens encerram estas tecnologias?
Algumas tecnologias já trouxeram e podem vir a trazer benefício para a humanidade, mas também levantam novos desafios. Um dos desafios relacionados com a realidade virtual ou com a realidade aumentada é que, no futuro, conferências como estas poderão realizar-se num ambiente virtual e as pessoas poderão escolher a forma mais confortável de participar nelas. Estas tecnologias também nos demonstram que uma das questões em causa é a da solidão, do isolamento. Em muitos casos parece que as pessoas vão preferir ficar em casa e participar virtualmente em encontros deste género, em vez de viajar e de se encontrarem pessoalmente com os outros. Este é um dos aspetos a ter em conta, que a forma de nos relacionarmos uns com os outros vai mudar. Provavelmente, as pessoas vão tentar alienar-se e a tecnologia pode criar esta nova esfera de isolamento.
No que diz respeito à aplicação destas ferramentas na Igreja, acha que será possível, por exemplo, ir à missa em realidade aumentada?
Estas podem ser ferramentas úteis mas, claro, os sacramentos só podem ser recebidos presencialmente, por exemplo quando o sacerdote vai distribuir a comunhão. O mesmo acontece na assistência a pessoas doentes ou na confissão. Não se pode fazer isto através de tecnologias digitais. A realidade aumentada pode ser útil no sentido em que, por vezes, por razões de doença, de incapacidade de deslocação ou impossibilidade de estar em contacto direto com o sacerdote, as pessoas podem encontrar conforto por poderem participar na Missa mas isso não substitui a vida sacramental.
Concluindo, está atento mas não preocupado?
A principal regra é que toda e qualquer tecnologia que possa trazer potenciais benefícios ao ser humano - para o melhorar, para que seja mais sensível, mais ponderado, e que nos permita alcançar um novo nível de conhecimento - deve ser apoiada e abraçada. Não quer dizer que não vejamos dificuldades ou que não tenhamos preocupações. Há preocupações em torno das novas tecnologias. A questão principal é: como é que vamos usar as novas tecnologias, com que propósito e objetivos e como é que mensagens podem ser disseminadas através delas em todo o mundo. É preciso não esquecer que a tecnologia digital é muito poderosa, tem inúmeras possibilidades mas também tem, digamos, alguns “lado negros” que não podemos ignorar. Há questões de segurança e de privacidade, questões relacionadas com a capacidade de controlar as pessoas e de disseminar certas mensagens por todo o mundo.