O Portal da Queixa nunca recebeu tantas reclamações contra a Banca. Nem mesmo quando se deu a queda do BES, há dez anos. Só este ano foram feitas 7.424 reclamações, um número que já ultrapassa as queixas registadas durante todo o ano passado, e o fundador do Portal da Queixa fala em número recorde.
Pedro Lourenço salienta que a “recolha desta informação é feita há 15 anos e 2024 já representa o maior número de reclamações, só até outubro”. Em 2023, acrescenta Pedro Lourenço, foram feitas pouco mais de 6.000, um número que “representava um aumento de 35% face a 2022”.
Com peso para este aumento, estão queixas relativas aos investimentos não abrangidos pelo Fundo de Garantia.
Só nos primeiros 10 meses, o Portal da Queixa registou um aumento de 6% das reclamações que visam os investimentos de risco.
Pedro Lourenço denuncia que há clientes bancários que são “pressionados na oferta, por parte dos bancos, para investirem em produtos de alto risco”.
A partir dos testemunhos recebidos no Portal da Queixa, Pedro Lourenço revela que a “pressão que é exercida, é muitas das vezes, com um balizamento temporal, ou seja, é dito que tem de ser nos próximos dias, porque, neste momento é claramente compensador”.
Há clientes bancários que “ficam surpreendidos”
O facto de os consumidores confiarem em quem está do outro lado do balcão, leva a desfechos indesejáveis, como admite Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco.
Esta responsável diz que “as pessoas continuam a seguir muito o aconselhamento que é dado e nem sempre as pessoas contratam os produtos que desejam”.
Natália Nunes não hesita em dizer que “muitas vezes contratam produtos que são aconselhados por quem está ao balcão, nomeadamente ao balcão de um banco”.
Uma prática que se mantém 10 anos depois da derrocada do BES, com clientes que perderam as poupanças. Natália Nunes relata que “continuamos a ver consumidores, e alguns a darem-nos testemunhos disso, que subscreveram produtos sem saber exatamente o que estavam a subscrever. Depois quando percebem de que produto se trata, dos riscos inerentes ao produto, ficam surpreendidos porque não tinham tido a informação, nem se tinham apercebido das reais características dos produtos”.
Natália Nunes avisa que até mesmo produtos insuspeitos, como um Plano Poupança Reforma (PPR), podem constituir risco e lembra que numa ação de formação, depois de explicar a diferença entre os vários PPR que existem, uns com retorno garantido e outros sem retorno garantido, um formando admitiu que só agora “é que tinha percebido que o PPR que ele tinha contratado e que ele tinha já há vários anos, era um fundo. Portanto, um PPR, que era sem retorno garantido”.
Segundo esta responsável da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, clientes bancários sem certezas sobre onde investir as poupanças, recorrem cada vez mais à Deco para pedir aconselhamento “sobre onde é que podem aplicar as suas poupanças. “A grande preocupação dos consumidores é escolherem produtos que não apresentem risco”, conclui Natália Nunes.
ComparaJá diz que “poderia haver um cuidado mais rigoroso”
Por seu lado, Guilherme Anastácio, do ComparaJá, portal que compara dezenas de produtos financeiros, diz que a Banca nem sempre está desperta para a falta de literacia financeira do cliente. Defende que “poderia haver um cuidado mais rigoroso na passagem da informação”.
E reconhece que já está melhor, do que estava há alguns anos, mas “enquanto na análise dos créditos, como à habitação, ou ao consumo, pode existir algum excesso de zelo, neste caso (investimentos de risco) não existe uma análise criteriosa e rigorosa naquilo que é o perfil do investidor”.
Guilherme Anastácio admite que “poderia haver uma postura mais ativa por parte da Banca naquilo que é a explicação e o acompanhamento junto dos consumidores”.
Este responsável refere ainda, que no portal tem sido visível uma “evolução positiva de quase 60% na procura por produtos de depósito a prazo, nos últimos quatro meses, tendo sido julho, o mês em que o aumento de procura se acentuou bastante”, concluindo que “os portugueses estão cada vez mais atentos a este mercado e a este tipo de soluções de investimento”, em detrimento dos investimentos com risco associado.
O que diz o Banco de Portugal?
Em resposta à Renascença, o Banco de Portugal (BdP) diz que não lhe compete “fiscalizar a comercialização de produtos de investimento como ações, obrigações ou unidades de participação em fundos de investimento”. Na mesma resposta, acrescenta que estes são produtos que estão sob a supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMCM), mesmo sendo comercializados ao balcão de um banco.
O mesmo se passa com os investimentos feitos em seguros e fundos de pensões, que são “matéria sob a alçada da Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões”.
O BdP esclarece que é “responsável pela supervisão comportamental das instituições de crédito, das sociedades financeiras, das instituições de pagamento, das instituições de moeda eletrónica e dos intermediários de crédito”.
Nesta qualidade, acrescenta o BdP, “regula, fiscaliza e sanciona a conduta das entidades supervisionadas na comercialização de produtos e serviços bancários de retalho (contas e depósitos, crédito a consumidores, crédito à habitação, serviços de pagamento e moeda eletrónica) e promove a informação e formação financeira dos clientes bancários”.
A Renascença também questionou a Associação Portuguesa de Bancos (APB), sobre os investimentos que muitos consumidores, sem se aperceberem, fazem em produtos de risco, mas a APB salienta que não é a “entidade supervisora do sector nem tem qualquer tipo de intervenção que se prenda com a atividade comercial dos bancos”.
Em resposta à Renascença, a APB refere ainda que “a autoridade de supervisão comportamental é o Banco de Portugal, que, para além das ações de sua própria iniciativa, é também a entidade para quem os clientes dos bancos podem reclamar, sempre que sentirem que os seus direitos foram afetados”.