Os infernos fiscais
06-10-2021 - 06:29

Enquanto a opinião pública dos países democráticos não forçar os políticos a combaterem a sério os “off-shores”, revelações como esta dos “Pandora papers” darão notícias curiosas durante dois ou três dias, mas nada de significativo irão mudar.

Os chamados “Pandora papers” revelaram dinheiro escondido, pelo menos do fisco, pertencente a centenas de ricos e poderosos. Estão lá políticos, empresários, gestores, famosos do desporto e da moda, etc.

Não foi uma surpresa, o que talvez explique o débil escândalo provocado por estas revelações. Já sabíamos, não há grande novidade.

O pior é que parece estarmos todos conformados com uma situação em que os mais ricos escondem dinheiro – muito dinheiro – que tanta falta faz para aplicar no crescimento económico e no progresso social.

Podemos duvidar da sinceridade dos políticos que falam em combater as desigualdades, mas pouco ou nada fazem para pôr termo a estes paraísos, que melhor seriam designados de infernos fiscais.

Por exemplo, os EUA têm exercido forte pressão sobre bancos suíços, obrigando-os a revelarem ao fisco americano depósitos cujos titulares pretenderiam não ser identificados. Mas em vários Estados norte-americanos – como o Dacota do Sul, a Flórida ou o Delaware – funcionam “off-shores” bem conhecidos. E o Reino Unido também conta com alguns paraísos fiscais.

Não tem lógica. Ou melhor, a lógica é a admissão tácita de que o combate à evasão fiscal não vai ao ponto de se eliminarem os infernos fiscais. Dão jeito a muita gente, para fugir a impostos, lavar dinheiro sujo, realizar operações ilegais ou que por qualquer motivo se pretendam ocultar.

Nos países não democráticos, das teocracias islâmicas aos estados autoritários, como a Rússia de Putin (tão admirada pela extrema-direita caseira...), o combate à evasão fiscal via “off-shores” só terá alguma eficácia uma vez sejam dados passos no sentido de uma real democracia.

Mas nas democracias terá de ser a opinião pública a levar os políticos a combaterem a sério os infernos fiscais. Só uma forte onda de repúdio por este magno fator de injustiça e desigualdade será capaz de vencer as pressões de quem lucra com a atual situação – pressões sobre os governantes, incluindo sob a forma da retirada de apoios financeiros a quem se atrever a travar o acesso aos ditos paraísos fiscais.

Enquanto tal não acontecer, revelações como esta dos “Pandora papers” darão algumas notícias curiosas durante dois ou três dias, mas nada de significativo irão mudar. É mais um “fait divers”.