Governo alarga apoios para sócios-gerentes de microempresas, desempregados e trabalhadores independentes
06-05-2020 - 06:00
 • Eunice Lourenço (Renascença) e Marta Moitinho Oliveira (Público)

O secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, revela em entrevista à Renascença e ao Público que um pacote de apoios será aprovado no Conselho de Ministros de quinta-feira. Mas avisa que “esta situação não será indolor” e que algumas empresas podem não sobreviver. Para já a mensagem é “aguentar”.

O Governo vai alargar os apoios para sócios-gerentes de microempresas, desempregados e trabalhadores independentes, anuncia Tiago Antunes, secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro e membro do gabinete governamental de crise para a Covid-19, em entrevista à Renascença e jornal "Público".

Ao longo das últimas semanas, o Governo foi-se apercebendo de várias situações que estavam a ficar fora dos apoios previstos do âmbito do combate à crise causada pela Covid-19 e tenta resolver alguns deles no Conselho de Ministros desta semana.

Tiago Antunes, secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro e membro do gabinete governamental de crise para a Covid-19, revela quais as próximas medidas de alargamento de apoios: sócios-gerentes de microempresas, desempregados e trabalhadores independentes vão ser abrangidos.

Ainda sem detalhes sobre as praias, admite que as mais pequenas possam ficar fechadas este Verão, mas diz que é muito importante que os portugueses possam gozar férias este ano.

Os portugueses estão ansiosos por marcar férias. O que é possível avançar sobre a época balnear?
Este tema é mais difícil, porque as praias não têm uma porta pela qual se possa decidir quem entra ou não entra. Estamos a trabalhar num conjunto de regras em conjugação com as autarquias e as capitanias, que permitam, desejavelmente a todos, neste Verão fruir das praias de forma necessariamente diferente do que é habitual.

Sem bolas-de-berlim e gelados?
Não sei. Mas seguramente teremos mais distanciamento social.

É possível saber se as praias pequenas vão estar fechadas?
Em princípio, haverá regras distintas para praias pequenas e grandes, porque obviamente é muito diferente uma praia com um longo areal - onde as pessoas se podem espalhar e onde não há aglomerações - de uma praia pequena, onde é muito mais difícil dificultar essa aglomeração. Eventualmente poderá haver algumas praias onde, não sendo possível fazer este controlo, poderá ter de haver algum fecho. Mas isso não está neste momento ainda determinado. Há várias hipóteses em cima da mesa e essa é uma delas.

Pode haver alteração nas regras para as empresas na aprovação de férias e de gozo de férias? Contam com a flexibilidade das empresas?
Contamos. Se for possível termos este Verão com algum turismo interno, é importante que isso ocorra.

O primeiro dia de desconfinamento deu algumas indicações ao Governo?
As coisas correram relativamente bem, designadamente nos transportes públicos. Era uma das nossas preocupações, porque era onde seria mais difícil assegurar o distanciamento físico.

É esperado algum tipo de caos ou demora nos serviços públicos quando o atendimento presencial for retomado?
O atendimento presencial será por marcação neste momento e, portanto, não haverá aglomeração nos serviços públicos. E estendemos o prazo de validade de alguns documentos.

O Governo tem legislado muito e com muita pressa e já teve de reformular alguns decretos. Esta terça-feira, aqui na Renascença, a presidente da Comissão Nacional para a Proteção de Dados, acusou o Governo de um disparate jurídico na forma como permitiu às empresas medir a temperatura dos trabalhadores. Vai ajustar o diploma sobre a medição de temperatura pelas empresas?
Temos tido uma produção legislativa profícua e temos tido de ajustar várias medidas às necessidades. Quanto à questão que coloca, não vou entrar numa polémica jurídica com a presidente da Comissão de Proteção de Dados, mas acho que as pessoas percebem que nesta fase de início de desconfinamento é muito importante que as pessoas tenham confiança para retomar as suas atividades.

Outro problema é o decreto sobre a utilização obrigatória de máscaras. O decreto do governo prevê máscaras ou viseiras, mas a Direção-geral da Saúde, a Ordem dos Médicos e o Conselho de Escolas Médicas já vieram dizer que as viseiras não protegem tanto quanto as máscaras e que é preciso alterar o decreto. Vão alterar?

Há aqui diferentes planos. O Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças [ECDC na sigla inglesa] veio dizer que deveria ser considerada a utilização de máscaras comunitárias ou sociais em determinados espaços fechados. Em função dessa recomendação, o Governo tornou obrigatório para certos locais onde se prevê concentração de pessoas o uso máscaras. Essa obrigatoriedade nos transportes públicos tem até uma consequência sancionatória, punitivas. Ao estabelecer essa obrigatoriedade quisemos deixar às pessoas alguma flexibilidade no tipo de equipamento de proteção que podem utilizar, porque as consequências da não utilização têm um efeito sancionatório.

Outra coisa é o entendimento da comunidade médica que veio dizer que a máscara é mais eficaz do que a viseira. Nós não contestamos esse entendimento, nem nos colocamos nesse plano. As pessoas, na medida do possível, se puderem utilizar a máscara, devem fazê-lo. Naquilo que tem consequências sancionatórias quisemos dar alguma flexibilidade às pessoas. Um é o plano da obrigatoriedade e das sanções, outro é o plano das recomendações da comunidade médica, uma coisa não afeta a outra.

Como é que o Governo vai garantir o direito de todos a máscaras?

Hoje há uma disponibilidade cada vez maior de máscaras, não só nas farmácias como nas grandes superfícies. Também tenho a expectativa de quando entrar em vigor dentro de dias a lei que aprovamos para baixar o IVA deste tipo de equipamentos que isso tenha um reflexo no custo final ao consumidor.

Mas não está prevista nenhuma distribuição gratuita sem ser nas escolas?
Está prevista apenas nas escolas.

Como é que o Governo pretende fazer caso as escolas digam que não têm condições para abrir para dar aulas presenciais aos alunos do 11º e 12.º anos?
Ainda esta semana vão chegar às escolas uma série de orientações. No Conselho de Ministros desta quinta-feira iremos também aprovar um diploma que estabelecerá algumas dessas regras para a retoma do funcionamento nas escolas quanto a esses dois anos. O que já foi determinado é que não haverá, para os pais que não se sintam confiantes que os alunos voltem à escola, faltas. E haverá uma organização das escolas. Estão já em curso processos de desinfecção em conjugação com as Forças Armadas nas escolas. Haverá distanciamento - apenas um aluno por carteira. Haverá a utilização de máscara e um conjunto de cautelas.

Os jovens que optarem por não ir às aulas, não tendo falta, podem na mesma candidatar-se ao ensino superior?
Sim.

E poderão ter ensino à distância na mesma?
Terão de estudar por si para compensar as aulas que não têm. Haverá recurso a mecanismos de ensino à distância de compensação.

Já começaram a preparar um plano para os exames? Podemos ter imagens como vimos em alguns países, nomeadamente na Coreia, de exames em grandes espaços ao ar livre?
Os exames serão realizados com o devido distanciamento. Aí é mais fácil, porque quase todas as escolas têm pavilhões, anfiteatros onde é fácil garantir o distanciamento.

Relativamente ao fim do estado de emergência, houve alguns receios de que terminassem alguns apoios às famílias e às empresas. Há alguma medida nova prevista nesta matéria?
Temos vindo a fazer um levantamento das situações que ficaram a descoberto nas medidas de proteção e de apoio social que temos vindo a adotar. Esta semana, no Conselho de Ministros, iremos aprovar um diploma que visa colmatar algumas dessas situações.

Como por exemplo…
Neste momento o que temos apenas é uma cobertura dos sócios-gerentes que não têm trabalhadores a cargo. Vamos passar a aplicar esse apoio aos sócios-gerentes de microempresas que tenham até dez trabalhadores. Outra situação tem a ver com os trabalhadores independentes. Criámos um apoio específico para eles, mas nos primeiros 12 meses os trabalhadores independentes estão isentos de contribuições. E, por não terem contribuições, numa situação em que estavam isentos, depois também não tinham acesso a este apoio especial que criámos.

Vamos também resolver isso e dar um apoio específico para estes trabalhadores independentes, que no início da sua atividade nos primeiros 12 meses não contribuíram ainda. O prazo de acesso ao subsídio social de desemprego inicial - existe um prazo de contribuições mínimas para poder aceder - vamos encurtar para metade. São apenas alguns exemplos de buracos que ficaram a descoberto dos mecanismos que criámos e queremos responder a essas situações, não queremos deixar ninguém desprotegido.

Essas novas coberturas vão ter efeito retroativo ou vigoram só a partir do momento em que são aprovadas em Conselho de Ministros?
Vão vigorar para o futuro.

E dependem de aprovação no Parlamento?
Não, trata-se de um decreto-lei que o Governo irá criar. Aliás, até haveria alguma dificuldade de isto surgir via Parlamento, por uma questão técnico-jurídica que é a lei-travão, que não permite aos partidos apresentar medidas que tenham despesa. Como isto tem despesa imediata tem mesmo de ser o Governo a avançar e a aprovar estas medidas e é isso que faremos na quinta-feira.

O Governo tem admitido que há sectores que foram ficando para trás e tem corrigido algumas medidas. O executivo prevê que, mesmo com todos os apoios que tem vindo a anunciar, haja empresas a desaparecer?
Nós temos procurado agir a vários níveis. Mas deixe-me ser totalmente honesto: esta situação não será indolor. As consequências sentir-se-ão e haverá, infelizmente, muitos portugueses que sentirão essas consequências. Temos vindo a atuar para as mitigar, designadamente no plano do emprego. O que fizemos, sobretudo com a medida do "lay-off", foi ajudar as empresas a manterem o emprego e a não recorrerem, idealmente, a despedimentos.

A dúvida é se saem do "lay-off" para a atividade ou para o desemprego?
O que está previsto é que as empresas que recorrem ao "lay-off" não podem despedir. E com isso temos a ideia de congelar a situação das empresas no momento pré-Covid e tentar que elas aguentem agora neste período mais crítico, até ao final do segundo trimestre, até ao final de Junho. Agora é ajudar as empresas a aguentar, é dar apoios de tesouraria, é adiar ou diferir o pagamento de impostos ou de contribuições sociais, é ajudar as empresas no pagamento até dois terços dos salários... Depois, passada esta fase mais crítica, será preciso um plano robusto de relançamento da economia.

Tem havido vários apelos das instituições a pedir um plano de desconfinamento para os lares e mais apoios. Há margem para dar mais apoios ao sector social?
A questão dos idosos preocupa-nos. A Direcção-geral de Saúde está a trabalhar num plano relativamente aos lares para verificar em que termos é que poderá ser possível retomar as visitas.

A celebração do 1.º de maio passou a ideia de que o Governo abriu uma exceção para a CGTP e o PCP. O PCP também já fez saber que está a preparar a Festa do Avante!. Não seria melhor o Governo dizer já alguma coisa sobre isso, como vai dizer sobre os festivais de Verão?
A Festa do Avante! é em setembro e setembro parece a uma eternidade de distância. Teremos de analisar essa situação com tempo, em função do que for o desenvolvimento epidemiológico. É muitíssimo cedo para estar a opinar sobre o que é que é possível acontecer em setembro.

Temos um Verão que, além de praia, é feito de festas pelo país fora. O Governo já pensou no que vai dizer em relação a essas festas?
Definiremos, mais à frente, regras mais precisas, mas o que posso desde já adiantar é que terá de haver uma enorme prudência em relação a essas festas e arraiais.

O Governo remeteu para o fim de maio o regresso das celebrações religiosas. Presumo que continue a conversar com as várias confissões religiosas. Que eco tem disso?
Tem havido, de facto, conversações em permanência entre o Governo e as confissões religiosas a esse respeito. As celebrações religiosas comunitárias são, pelo número de pessoas, pela agregação, pela proximidade e pela faixa etária, situações que implicam algum risco. Por isso fomos sempre cautelosos na definição desse calendário. A Igreja Católica foi sempre muito prudente e muito responsável. Foi ela que tomou a iniciativa, ainda antes do estado de emergência, de suspender as celebrações eucarísticas com presença da comunidade.