​Bruxelas permite pagar para não receber refugiados
11-09-2015 - 19:32
 • José Pedro Frazão

O alerta é de António Vitorino, antigo comissário europeu com a tutela da imigração. Santana Lopes diz que não estão definidos os meios necessários para ir buscar os refugiados.

Uma pequena “perfídia”. É desta forma que António Vitorino, antigo comissário europeu com a tutela da imigração, classifica a cláusula definida pela Comissão Europeia como alternativa ao acolhimento de refugiados. O país que não cumprir a sua quota de refugiados tem que pagar uma compensação financeira.

"Pagar para não receber? Exactamente”, diz. “Esta segunda parte [da proposta] passou muito despercebida e silenciosa. 0,002 % do seu Produto Nacional Bruto faz depender o verba do PNB de cada país. Há aqui uma certa perfídia, dizendo: ‘Ou fazem uma certa partilha de responsabilidade e solidariedade aceitando refugiados no seu território ou terão que ter uma certa contribuição adicional para os fundos’", afirma Vitorino no último programa "Fora da Caixa" (todas as sexta-feiras, depois das 23h00, na Renascença).

Mas há mais pormenores a ter em conta na letra pequena deste pacote de medidas. António Vitorino assinala que o mecanismo de relocalização de refugiados só abrange três países de origem e outros tantos de destino.

"Só se aplica a quem chega a Grécia, Itália e Hungria e desde que sejam oriundos de um país cuja taxa de sucesso no reconhecimento de direito de asilo seja em média superior a 75% nos países da União Europeia. Isso só inclui, neste momento, sírios, iraquianos e eritreus. São as três proveniências em que as taxas de sucesso na obtenção de refúgio e asilo são superiores a 75%", sublinha o antigo comissário europeu dos assuntos internos.

Este factor implica que um nacional de um outro qualquer país, mesmo em condição de refugiado, esteja fora do mecanismo de relocalização agora apresentado por Bruxelas. É o caso dos migrantes com origem noutros países do Norte de África e do Médio Oriente ou dos que provêm dos Balcãs Ocidentais.

"Por isso, uma das medidas tomadas é o reforço do papel da Frontex – agência de fronteiras externas europeias – para se envolver nessa operação logística de grande dimensão que é recolocar essas pessoas nos países de onde vieram: Albânia, Kosovo, Sérvia e na própria Turquia", acrescenta António Vitorino.

A Europa voltou das férias

Pedro Santana Lopes defende que o universo de 160 mil refugiados está ainda longe da realidade. Ainda assim, a prioridade é definir a forma como os refugiados vão ser transportados para os países de acolhimento.

"Vamos ter corredores aéreos, pontes aéreas? Ou vêm de comboio? Com certeza não vão continuar a atravessar os territórios a pé. Em Portugal, com os kosovares e com os que vieram depois do 25 de Abril, existe alguma tradição da chegada por meios aéreos. Há equipas que estão prontas, se tiverem meios, para ir buscar refugiados por meios aéreos. Mas essa ponte aérea necessitaria a afectação de um número considerável de recursos, de aviões de determinado tipo de diversos países", alerta o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Santana Lopes assinala que muitas entidades estão disponíveis para ajudar, como a União das Misericórdias, Plataforma de Apoio aos Refugiados, Cáritas, Cruz Vermelha e  autarquias.

“Agora, ao nível da União Europeia, diria que 'abriu agora o ano lectivo, voltaram às aulas", ironiza Santana. O ex-primeiro-ministro concorda com a declaração à Renascença de António Guterres. O actual alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados afirmou que a sociedade civil europeia está a dar uma lição aos governos europeus.

"Sim, vai mais adiantada. Não significa que vá muito à frente, mas vai mais adiantada que os governos e principalmente que as instituições europeias.”