O cardeal Sean O’Malley, arcebispo de Boston e conselheiro próximo do Papa, recebeu esta sexta-feira um doutoramento honoris causa pela Universidade Católica Portuguesa, aproveitando a ocasião para fazer o elogio da santidade e da educação católica, contra o que diz ser uma cultura de heróis e celebridades.
“Estamos todos imersos numa cultura que dá a parte do leão às celebridades e apresenta heróis culturais que são a personificação do individualismo da nossa sociedade”, disse.
Mas, “a verdade é que fomos postos neste mundo para tomarmos conta uns dos outros. Para o não-crente tudo é fruto do acaso, mas para o crente o mundo é fruto do amor.
É-nos dito que o que verdadeiramente interessa é comprar coisas, vestir as coisas certas e viver no sítio certo e tudo correrá bem, mas o que nos traz felicidade é uma vida de fé com propósito e sentido de missão”, insiste O’Malley.
Para o cardeal e arcebispo de Boston, o problema é agravado pela falta de valores católicos e são as instituições de ensino católicas, como a Universidade Católica Portuguesa, que podem contrariar essa tendência.
“Agora as pessoas dizem que são espirituais, mas não religiosas”, comentou, “mas Jesus é o noivo, não o viúvo, não existe separado da sua noiva, a Igreja. Ele ensina-nos que o discipulado não é um voo a solo. Não podemos ser indiferentes ao sofrimento e injustiça que estão à nossa porta. Temos a nossa origem e destino no amor de Deus. Estamos ligados uns aos outros. Deus confiou-nos este mundo e a nossa obrigação é reparar o mundo. Heróis e celebridades não vão resolver a coisa”, disse.
O século XX comprova que a educação, só por si, não chega para salvar a Humanidade, considerou ainda o cardeal Sean O’Malley, realçando o facto de ter sido simultaneamente o século de maiores progressos e o mais violento, em que se viveram os horrores da I e II Guerra Mundial, o Holocausto e a legalização generalizada do aborto, disse.
Longa ligação a Boston
Na cerimónia, que decorreu no campus da UCP em Lisboa, esteve presente o cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, bem como o núncio apostólico, o arcebispo Rino Passigato, para além de outros membros do episcopado português.
No discurso de abertura, a reitora da Universidade, Isabel Capeloa Gil, sublinhou a importância do cardeal O’Malley para a UCP ao longo das últimas décadas, nomeadamente o apoio prestado através de parcerias com a diocese de Boston – cujo bispo foi, em tempos, o luso-americano Cardeal Humberto Medeiros – e na recolha de fundos junto da comunidade portuguesa nos Estados Unidos, sobretudo a de Fall River, de onde o cardeal foi bispo antes de ser transferido para Boston.
A decisão de prestar a homenagem em 2018 prende-se à celebração dos 50 anos da UCP, disse ainda Isabel Capeloa Gil, que viu neste gesto mais uma oportunidade de “renovar os laços fecundos entre os dois lados do Atlântico”.
De seguida falou o padre Armindo Vaz, que sublinhou as aptidões pessoais e académicas do laureado, que é doutorado em Literatura Espanhola e Portuguesa e fala várias línguas e dialetos. Elogiando a sua bondade, o padre Armindo Vaz descreveu-o mesmo como “o rosto refulgente da Igreja”.
Ao longo da sua missão de bispo o cardeal O’Malley já foi encarregado, várias vezes, de missões importantes por diferentes Papas. João Paulo II pediu-lhe para preparar a sua visita a Cuba em 1998. Outras missões têm sido mais difíceis. O’Malley foi enviado para Boston depois de ter rebentado a crise de abusos sexuais naquela diocese, com a missão de apagar fogos e tentar salvar a Igreja naquela diocese americana. Desde então tornou-se uma referência no combate aos abusos e à cultura de encobrimento que ensombrou vários hierarcas católicos em todo o mundo.
O Papa Francisco convidou-o para chefiar uma comissão de aconselhamento sobre este assunto e a sua intervenção foi crucial para desarmar a tensão gerada por intervenções do Papa no Chile, levando Francisco a emendar a mão, pedir desculpa e ordenar uma investigação mais rigorosa, que culminou com o pedido de resignação em bloco de todo o episcopado chileno.