Do "lay-off" ao despedimento em 15 dias. A história das trabalhadoras de uma fábrica de sapatos
13-04-2020 - 07:10
 • João Carlos Malta

Quase 40 trabalhadoras de uma unidade de costura de sapatos de Castelo de Paiva ficaram sem trabalho devido ao novo coronavírus. Primeiro pensaram que iam apenas ter de viver com dois terços do salário, mas a insolvência ditou que não iam receber março. Agora arriscam a só voltar a ter dinheiro na conta quando o subsídio de desemprego for pago no final de maio. Até lá a “vida vai ser muito complicada”.

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Quando no dia 17 de março, Rosália soube que ia para "lay-off" respirou fundo de alívio: “Concordámos porque uma pessoa tem medo de apanhar o vírus, uma pessoa tem medo”, repete. “Era melhor vir para casa”, pensou esta mulher de 46 anos. O que nunca imaginou era o que iria acontecer duas semanas depois. Após nove anos de trabalho na Goldenriver Shoes, fábrica especializada na costura de sapatos, declarou insolvência.

A razão invocada é a da conjuntura económica causada pelo surto pandémico global do novo coronavírus. Ao todo, estão em causa quase 40 postos de trabalho. Todas as operárias desta fábrica eram mulheres.

A unidade faz parte de um grupo que tem outra fábrica − a Cindicalfe que detém a marca Flex&Go − e na carta enviada pela administração aquando o pedido de suspensão da laboração, em meados do mês passado, invocava a quebra dos circuitos de abastecimento e uma redução das encomendas para justificar a decisão que seria válida até 18 de abril, podendo depois ser prolongada se a situação exigisse.

O objetivo, diziam nessa missiva enviada às operárias, era evitar o fecho daquela unidade fabril. No entanto, a 3 de abril, a pior das notícias chegou por telefone. A chamada foi feita pelo gerente da fábrica.

“A justificação é que as encomendas foram canceladas. Mandaram-nos para a insolvência porque não tínhamos trabalho”, recorda Rosália Silva, que vive com um filho a cargo. “O patrão nunca deu a cara”, repete várias vezes, ao mesmo tempo que elogia a postura do gerente “que sempre manteve a palavra”.

O caso da Goldenriver é um entre muitos no país em que os efeitos da Covid-19 começam a atacar a economia, destruindo empregos. Segundo o Expresso noticiou, na primeira semana de abril, as inscrições diárias nos centros de emprego duplicaram em relação a 2019. O número de novas prestações de desemprego cresceu 65%. E, em seis dias, houve 35 despedimentos coletivos, cinco vezes mais do que há um ano.

" O nosso encarregado ligou para nós, a avisar que íamos receber uma carta e que tínhamos sido despedidas. A fábrica tinha fechado e tinha ido para a insolvência"

Só nos primeiros seis dias do mês, segundo a edição "online" do mesmo jornal, houve 4098 desempregados por dia a inscreverem-se nos centros de emprego, o dobro dos registados em abril do ano passado.

Altos e baixos de quase uma década

Outra trabalhadora, agora desempregada, Jacinta Rocha não esquece o dia em que viu o papel na fábrica que punha preto no branco que a partir de dia 20 a empresa entrava em "lay-off". Ela, tal como Rosália, foi uma das operárias do grupo inicial que entrou para a Goldenriver quando esta nasceu em setembro 2011.

Naquele posto de trabalho viveu os altos e baixos da fábrica. O momento mais difícil ocorreu no ano passado em que a falta de encomendas, entre setembro e dezembro, levou a que as trabalhadoras fossem enviadas para casa.

No final de 2019, começou a recuperação, que se prolongou pelo primeiro trimestre deste ano. As operárias dizem que no mês passado havia “muito trabalho”.

Mas a pandemia parece tudo ter alterado. “Em abril, normalmente recebemos o salário ao dia 4, e no dia 3 não caiu na conta. Era uma sexta-feira, e na segunda-feira o nosso encarregado ligou para nós, a avisar que íamos receber uma carta e que tínhamos sido despedidas. A fábrica tinha fechado e tinha ido para a insolvência”, lembra Rosália.

Estava consumado o desfecho que naquela unidade de Castelo de Paiva, no distrito de Aveiro, ninguém esperava.

Jacinta antevê tempos muito difíceis para todos os que ali trabalhavam. “Em março vai ser complicado, o meu marido também está em 'lay-off', e o que vai receber não vai ser por aí além”, explica. Mas a sua situação até pode nem ser das piores. “Havia lá trabalhadoras em que era só uma pessoa a ganhar e com filhos para sustentar”, lamenta.

“Acho que o patrão não teve respeito com os trabalhadores, senão tinha pagado o mês de março. É complicado. Temos contas e filhos”, afirma preocupada.

À espera do subsídio que ainda está lá longe

Depois do impacto do fecho da fábrica, vem a luta contra ao burocracia para que a situação possa ser resolvida. “Temos agora de tratar dos papeis. Temos de esperar pela carta, porque ainda não somos considerados desempregados. Estamos à espera da carta do despedimento para a meter para o fundo de desemprego”, explica.

Neste processo, este grupo é ajudado pelo Sindicato Nacional dos Profissionais da Indústria e Comércio do Calçado, Malas e Afins, através da líder sindical Fernanda Moreira.

A sindicalista explica que numa altura em que a atenção do país está em conter o Covid-19 não é fácil tratar destes casos, “mas estamos a fazê-lo”. O facto de o administrador judicial que tratará da insolvência da Goldenriver ser de Lisboa, também não ajuda a celeridade no processo, segundo invoca este sindicato.

“Já entrámos em contato com o administrador da insolvência e contatámos os trabalhadores para tratar da papelada e ver a possibilidade de fornecer os modelos dos documentos para eles se inscrever nos centros de emprego. Neste momento, a empresa não pagou e pelos vistos não tem dinheiro para pagar. Ainda são funcionários da empresa, e em abril também ninguém lhes vai pagar”, explica.

Fernanda Moreira diz que estas mulheres vão mesmo passar por um momento muito complicado, porque irão passar mais de dois meses sem receber. Mesmo quando tiverem a situação regularizada com a Segurança Social, não vão conseguir ter dinheiro logo. “Só lá para 20 ou 22 de maio”, prevê.

E o futuro?

Rosália tem passado os dias a olhar para o negro do futuro. “Disseram-nos que só íamos receber com a indeminização, mas eu sou sozinha, divorciada, e tenho um filho. Não tenho apoios de nada”, garante.

E como é que pode passar esta situação? “Bem quero ir trabalhar, mas com esta crise está tudo fechado, onde é que uma pessoa vai?”, questiona.

A colega Jacinta também não tem dúvida de que será muito difícil arranjar trabalho.“Estão a construir uma fábrica em Castelo de Paiva, acho que é de relógios, mas não vai dar para toda a gente. Isto é pequeno e não dá para todos”, teme.

"Bem quero ir trabalhar, mas com esta crise está tudo fechado, para onde é que uma pessoa vai?"

Para a trabalhadora de 43 anos os últimos anos têm sido de muitas provações. “Passámos os incêndios, com a Covid não estávamos bem, e agora o desemprego psicologicamente vai afetar muita gente. E eu falo por mim. Não podemos sair de casa, mas temos de comer. Não ter dinheiro é muito complicado. E temos de pagar as contas”, remata.

A Renascença tentou entrar em contacto com a administração da empresa, mas após vários contatos telefónicos tal não foi possível.