​A dimensão religiosa no jornalismo (II)
10-10-2016 - 06:40

Assiste-se a uma crescente iliteracia religiosa e cultural não apenas dos jornalistas, mas da cidadania que o jornalismo deveria servir e alimentar.

O jornal ´Público’, que teve durante largos anos a competência do jornalista António Marujo na edição e reportagem de matérias do âmbito das religiões, trouxe, no passado dia 23 de Janeiro, uma notícia cujo título é um desaforo, pela ignorância ou desatenção que revela: “Marcelo assiste a missa ecuménica em mesquita no dia da posse”.

A ideia de uma “missa ecuménica” - e logo numa mesquita! - deve ter caído bem nos meios jornalísticos, porque muitos órgãos de comunicação a repetiram e propagaram, a ponto de, ainda hoje, uma simples consulta na internet nos fornecer largas centenas de ‘sites’ onde a calinada está presente – incluindo jornais, revistas, portais noticiosos, blogs, etc.

Evidentemente que o problema não é um título infeliz, mas aquilo de que ele é ‘sintoma’: uma cultura de distanciamento, desleixo e, por vezes, desprezo, que leva a não avaliar a importância das coisas e a comunica-las apropriadamente.

Daí ser pertinente o que dizia há dias o jornalista e porta-voz da Conferência Episcopal Espanhola, Gil Tamayo, numa entrevista à Renascença: “como em relação a outra área qualquer, é preciso que [os jornalistas] saibam do que falam para comunicarem bem e com verdade”, visto que “não se pode informar bem sobre o que não se conhece”. Em princípio qualquer jornalista deveria estar preparado para o fazer. Mas, para o fazer bem, precisaria de dedicar boa parte do seu tempo a documentar-se, a cultivar fontes, a ir aos locais dos acontecimentos, dentro e fora do país. E isso supõe não apenas vontade dos profissionais, mas também decisão editorial de quem dirige as redacções. Ora, nos tempos que correm, os dedos de uma mão chegam e sobram para contar os que o fazem, nos media nacionais não confessionais. E a crise económica não explica tudo.

A consequência desta amputação do nosso jornalismo é uma crescente iliteracia religiosa e cultural não apenas dos jornalistas, mas da cidadania que o jornalismo deveria servir e alimentar. E é igualmente a remissão do religioso, se não para a invisibilidade social, pelo menos para o terreno do exótico e do fait-divers ou para uma espécie de guerra de trincheiras. Com responsabilidades, certamente, das instituições religiosas que, na maioria dos casos, tendem a preferir um ‘megafone’ mediático ao diálogo e debate com as formas de cultura do nosso tempo.