Entre apocalíticos e integrados
29-02-2016 - 08:09

É interessante constatar, a este propósito, que Eco foi criticado, nos anos finais da sua vida, pelo seu azedume acerca de alguns desenvolvimentos proporcionados pela Internet e pelas redes sociais.

Umberto Eco foi, como sabemos, um inteletual multifacetado, de cuja autoria nos ficaram obras marcantes. Foi igualmente um cidadão atento e interveniente no mundo em que viveu, em especial no que respeita às indústrias culturais e aos meios de comunicação. A sua ‘obra aberta’ a uma multiplicidade de sentidos - equilibrada, digamos assim, com as reflexões acerca dos ‘limites da interpretação’ - constitui, ainda hoje, um convite dirigido a cada um para que assuma e reconheça que a construção de sentido não depende apenas das mensagens que nos chegam, mas de tudo aquilo que carregamos connosco no encontro com essas mensagens.

Continuamos a defrontar-nos com o desafio de buscar um caminho entre os ‘apocalíticos’ que vaticinam a ruína cultural e moral e os ‘integrados’ e mais ou menos encantados com a dose diária de distracção que as indústrias culturais e mediáticas debitam. Tal busca pode parecer mais facilitada pela parafernália de possibilidades tecnológicas cada vez mais disponíveis (ainda que de forma desigual). Não é, porém, seguro, que estejamos a progredir nessa capacidade de busca, tal a vozearia e a dificuldade de triagem.

É interessante constatar, a este propósito, que Eco foi criticado, nos anos finais da sua vida, pelo seu azedume acerca de alguns desenvolvimentos proporcionados pela Internet e pelas redes sociais. Foi muito citada a declaração que fez em meados de 2015, num discurso na Universidade de Turim:

“Os media sociais dão o direito de palavra a multidões de imbecis que, antes, apenas falavam no bar, depois de beberem um copo de vinho. Não prejudicavam a comunidade e depois calavam-se. Agora, têm o mesmo direito a falar que o vencedor de um Prémio Nobel. É a invasão dos idiotas”.

Perpassa aqui alguma sobranceria e nostalgia, próximas daqueles discursos antidemocráticos dos que se opuseram, em fases sucessivas, ao voto dos pobres, dos jovens ou das mulheres. Mas quem criticou Umberto Eco evitou citar a declaração completa, desvalorizando o facto de ele ter também referido aspetos positivos das redes sociais e sublinhado que "o grande problema da escola de hoje consiste em ensinar as crianças a filtrar as informações da Internet”. E acrescentou, naquele ambiente universitário e docente: “Os próprios professores são uns neófitos diante desta ferramenta". Dito de outro modo: não chega maldizer a escuridão; é necessário acender uma luz.