Voluntariado missionário: “As pessoas partem por algo maior, sentem-se enviadas"
11-09-2016 - 17:58
 • Ângela Roque

A Renascença falou com Carmo Fernandes, directora executiva dos Leigos para o Desenvolvimento, que em 30 anos já teve 400 voluntários a fazer missão em África.

Treze voluntários participam este ano nas missões dos Leigos para o Desenvolvimento, em África. Têm entre 24 e 35 anos, são de vários pontos do país e, durante um ano, vão ajudar nos vários projectos que esta associação católica desenvolve em Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Estas são sempre missões de longa duração, no mínimo de um ano, porque o trabalho que fazem no terreno exige tempo e dedicação para dar resultado.

A “missa de envio” celebrou-se este domingo na igreja do colégio jesuíta de S. João de Brito, em Lisboa. A Renascença falou com Carmo Fernandes, directora executiva dos Leigos para o Desenvolvimento, que em 30 anos já teve 400 voluntários a fazer missão em África.

Quantos voluntários vão estar este ano em missão?

São 13 voluntários, dois já tiveram de partir mais cedo, e há uma voluntária que vai renovar, vai ficar mais um ano em missão. Está neste momento em S. Tomé e Príncipe, há-de vir fazer férias e depois regressará para um segundo ano. Todos os outros partirão no seguimento da missa de envio deste Domingo. Eles têm entre 24, 25 anos, e 35 o mais velho. Aliás a nossa faixa etária é sempre entre os 21 e os 40.

De onde são os voluntários deste ano?

Nós temos a funcionar 4 núcleos de formação no país: Lisboa, Coimbra, Porto, e o mais recente em Portimão. Por isso as pessoas que nos chegam são de várias partes do país e depois, em função da sua zona de residência, participam no ciclo de formação num destes núcleos. Esta distribuição geográfica dos nossos núcleos também permite que consigamos chegar a diferentes zonas do país, para as pessoas poderem frequentar a formação. Se fosse aqui centralizada em Lisboa, muita gente não conseguiria fazer essa preparação para depois partir.

E vão para onde?

Nós temos missões em Angola, particularmente Benguela, em Moçambique, na zona norte, e em S. Tomé e Príncipe temos duas missões. Os voluntários estão a ser distribuídos por essas missões.

As vossas missões são sempre de longa duração?

Sim, as pessoas vão para o terreno durante 1 ano, no mínimo. Não temos missões mais curtas do que 1 ano, porque a nossa missão principal é contribuir para o desenvolvimento de comunidades mais frágeis, em situação de pobreza, e os processos de mudança são lentos. Menos de 1 ano não dá tempo para os voluntários chegarem, conhecerem (até as dimensões culturais, que são muito diferentes), conseguirem-se integrar e começarem a fazer o seu trabalho. Os nossos projectos são pensados a longo prazo - 10, 15, 20 anos, porque nós trabalhamos para promover a autonomia no terreno, são processos de capacitação das pessoas e das organizações locais, para que os projectos que nascem connosco depois possam funcionar sem a nossa presença. Portanto, isto é muito demorado. Para o voluntário é uma missão de 1 ano, para a organização a missão é maior.

Falamos de voluntariado missionário e de longa duração. Como é que é feita a preparação?

Os voluntários têm mais ou menos um ano de preparação antes de partir. As pessoas chegam até nós por Outubro, Novembro de cada ano, iniciam um processo de formação, que é também um tempo de caminhada, para conhecimento da organização e até de autoconhecimento dos próprios formandos e de avaliação das suas motivações, para depois chegarem a Junho e decidirem se estão, ou não, disponíveis para partir. O processo é aberto, por isso muita gente ao longo da formação decide não partir. Ou porque acha que não tem o perfil, ou porque não era bem aquilo que procurava, ou porque não é o momento certo. Em Junho, já depois de saberem para onde vão, e fazer o quê, há uma formação mais específica e orientada para o projecto concreto. Além desta formação, que prepara para as questões da cooperação, do desenvolvimento, do voluntariado e da vida em comunidade, há também uma componente espiritual forte, porque são voluntários missionários, vão-se integrar nas equipas missionárias que estão no terreno. Portanto, além do trabalho que vão fazer, têm todos eles uma responsabilidade ao nível da pastoral.

Como é que definem as prioridades de cada projecto?

Em primeiro lugar são as dioceses locais que nos convidam e desafiam a abrir missões. Começamos por fazer um diagnóstico, perceber que realidade concreta é aquela, que necessidades tem, que respostas já existem, se há outras entidades no terreno. Em função disso é que definimos as prioridades de intervenção. A nossa intervenção de base é o desenvolvimento comunitário, tentamos ser um facilitador de respostas. É por isso que os projectos nascem em áreas muito diferentes. Em determinadas zonas pode ser mais a educação que está a precisar de investimento, noutras pode ser a área da empregabilidade, formação profissional, apoiar as pessoas a encontrar respostas de emprego trabalhando também com as empresas, ou então numa dinâmica de coesão ou associativismo, que no fundo capacita as pessoas a elas próprias serem promotoras das suas próprias respostas. Temos projectos muito diversos.

Vai ser celebrada este Domingo a ‘missa de envio’. Que importância tem este momento?

Para nós é um momento muito importante no ano, que assinala a partida dos novos voluntários. É um momento em que muitos dos ex-voluntários estão presentes, há quase uma passagem de testemunho entre os mais antigos e os novos que partem. Também é muito importante para as famílias dos novos voluntários, porque mesmo que apoiem as opções dos filhos, ou dos namorados, também têm muitos receios, porque eles vão partir para uma realidade que não conhecem, com poucos recursos. Mas é também um momento muito importante porque dá a nossa identidade católica de missionário. As pessoas partem por algo maior, sentem-se enviadas, e no terreno esta componente da vida faz parte do dia a dia. Todos os voluntários nas comunidades onde estão a viver têm oração comunitária, e nas horas especialmente de dificuldade e de dúvida (‘será que devia ter partido?’), é aqui que vão recuperar o sentido da sua partida. E estão a dar a sua contribuição na construção do Reino.

Os Leigos para o Desenvolvimento têm tido dificuldades em encontrar voluntários?

Em 30 anos temos uma história muito diversificada. Ao todo já enviámos 400 voluntários. A realidade dos últimos anos tem sido irregular, mas já não há uma enorme disponibilidade para partir. Há menos gente que decide entrar neste percurso, seja porque a formação é longa, seja porque o tempo de missão também é longo. Nós já reequacionámos a dimensão dos projectos, para aquilo que achamos que anualmente conseguimos renovar. Este ano foi um ano mais positivo do que o anterior, quando receámos que a falta de voluntários comprometesse o trabalho que temos no terreno, que é de longa duração. Também enviámos 13 voluntários, como agora, mas só 8 é que eram novos. Tivemos de recorrer a ex-voluntários, ver quem estava disponível para partir nessa situação de emergência.

O que é que pode ser feito para contrariar isso?

Precisamos de divulgar e dar-nos a conhecer mais, porque sentimos que a proposta que fazemos, apesar de já existirmos há 30 anos, nos tempos actuais é muito contra-corrente. As pessoas hoje têm variadas experiências ao dispor, muitas vezes de muito curta duração. Isto, associado às dificuldades de emprego e à precariedade de trabalho também levanta dilemas na hora de decidir estar numa missão de voluntariado durante tanto tempo.

A partir de Outubro vamos estar a fazer sessões de apresentação por todo o país, para convidar as pessoas que queiram conhecer quem somos, como fazemos, os nossos valores, e levantarem as preocupações que tenham. Fazemos essas sessões abertas. E uma das coisas que costumamos dizer é que não tenham medo, porque muitas vezes quando as pessoas regressam, a experiência foi tão forte e tão marcante que já não pensam a mesma coisa que pensavam antes de partir, mesmo na área profissional. Se calhar as pessoas estão agarradas aqui a uma determinada maneira de se verem no mercado de trabalho, e quando regressam vêm abertas e disponíveis a fazer coisas que nunca tinham pensado fazer.

Há muita reconversão profissional que resulta da experiência de missão, e isso à partida as pessoas não sabem. Por outro lado há muitos empregadores que valorizam imenso uma experiência desta natureza, pelas capacidades que são desenvolvidas. O facto de viverem em contextos com poucos recursos, a resiliência, a experiência de relação intercultural, a resolução de problemas, a vida em comunidade, tudo isto é valorizado hoje em dia no próprio mercado de trabalho. Portanto, as pessoas têm receios no início, que às vezes não as deixam avançar, mas depois no final trazem esta bagagem que acaba por ser uma mais-valia. Por isso procuramos, até com testemunhos de vários ex-voluntários, mostrar que os riscos a maior parte das vezes saem recompensados.