E se a quarentena matar mais do que o vírus?
10-04-2020 - 06:50

Se o vírus é um problema de saúde física, a quarentena é um problema de saúde mental que também provocará dor e morte. Se o vírus é potencialmente mortal para idosos ou diabéticos, a quarentena é potencialmente mortal para pessoas com depressão e ansiedade.

O estado de emergência não pode calar dúvidas ou críticas. Eu tenho dúvidas sobre o caminho que estamos a seguir, porque os efeitos da quarentena podem ser muito superiores aos efeitos do vírus. Comecemos pelo presente, o aqui e agora. Os doentes “normais” sem covid estão a ser esquecidos, estão a adoecer sem os cuidados necessários. O risco de empilharmos mortos colaterais, digamos assim, é enorme. Conheço demasiadas pessoas que não estão a ir ao médico porque têm medo ou porque receberam ordens para não entrarem no hospital. Já li reportagens sobre este drama.

Não há mortos especiais e mortos normais. Impedir a subida do número de mortos com covid não pode ser feito à custa de uma subida do número de mortos com outras doenças. No meio desta fúria contra o covid, onde ficam os doentes oncológicos e cardíacos, por exemplo? Ficam esquecidos, quer os já diagnosticados, que os que ficam por diagnosticar. Há pessoas com AVCs que não estão a ir ao hospital. Há pessoas que podem morrer de cancro no futuro próximo porque não estão a fazer os exames agora.

Se o presente da quarentena é perigoso, o futuro será ainda mais. Esta quarentena está a provocar uma crise económica sem precedentes. Ora, a pobreza mata. Corpos pobres são corpos doentes. O antagonismo dicotómico saúde vs. economia só cabe na cabeça de uma criança ou de um burguês privilegiado que não faz ideia do que aí vem e que não se cala com o #vaificartudobem. Não, não, não. #Vaificatudomal, porque não há saúde sem economia. A pobreza mata, meus amigos. O desemprego mata pelo desgaste físico e pelo suicídio. Há uma relação fortíssima entre desemprego e suicídio. No normalíssimo ano de 2015, o “The Guardian” dizia que o desemprego estava na origem de 45 mil suicídios por ano. Façam agora as contas aplicadas às taxas de desemprego que estamos a criar através da quarentena. E se, no final disto tudo, descobrirmos que o vírus matou menos pessoas do que os suicídios provocados pelo desemprego originado pela quarentena?

Para terminar, temos de olhar para os efeitos da saúde mental para lá do suicídio por razões económicas. Como dizia ontem o grande Andrew Sullivan no NY Times, os índices de depressão e ansiedade estão a subir em flecha e demorarão anos e anos a voltar à “normalidade” (o que será a “normalidade” no pós covid?). Se o vírus é um problema de saúde física, a quarentena é um problema de saúde mental que também provocará dor e morte. Se o vírus é potencialmente mortal para idosos ou diabéticos, a quarentena é potencialmente mortal para pessoas com depressão e ansiedade. Os doentes com depressão ou com cancro não podem desaparecer do nosso mapa, tal como os pobres que sofrerão e morrerão às mãos da pobreza gerada pela quarentena. O covid não nos pode cegar.