​Libertação de centenas de reclusos devido à Covid-19? “Perdão tem de ser seletivo”
01-04-2020 - 13:30
 • Liliana Monteiro

Em declarações à Renascença, o especialista em Direito Penal Paulo Sá e Cunha, defende que um perdão de pena nunca poderá abranger pessoas condenadas por criminalidade mais grave e violenta. Outras fontes da área judicial defendem soluções para reduzir o número de reclusos nas prisões e travar assim os danos irreversíveis que a entrada da Covid-19 poderá provocar nas cadeias sobrelotadas, que passam por libertar centenas de pessoas detidas por dívidas.

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Uma das medidas mais evidentes, e mais claras, para a libertação de alguns reclusos nas prisões na sequência da pandemia de coronavírus poderá passar pelo perdão de pena, defende o especialista em Direito Penal, Paulo Sá e Cunha. O advogado sublinha, no entanto, que esse “perdão deve ser seletivo”.

“Não sou favorável a uma amnistia, porque tem efeito genérico sobre todos os crimes por igual. A medida mais justa seria o perdão de penas, que pode ser objeto de afinação em razão de critérios específicos”, afirma Paulo Sá e Cunha, em declarações à Renascença.

O especialista em Direito Penal acrescenta que o perdão de pena “não poderia abranger homicídios, violência doméstica, roubo, abusos sexuais, tráfico de estupefaciente, terrorismo, ou seja, tudo o que é criminalidade mais grave e violenta”.

“Naturalmente que a medida não pode ser tão pouco seletiva que permita a saída de reclusos condenados por este tipo de crimes”, sustenta.

São muitos os presos preventivos nas cadeias portuguesas e Paulo Sá e Cunha defende que poderiam ser alvo dessa medida. “Estão numa situação diferente. Quando não houver perigo de fuga (mitigado nas atuais circunstâncias), perigo de perturbação do inquérito, perigo de continuação de atividade criminosa, podiam ser retirados das prisões, por exemplo”.

A decisão de dar liberdade ou alterar a forma de cumprimento da pena dos reclusos deverá, segundo este especialista, ter em conta o “equilíbrio entre a gravidade das infrações em causa e o sentimento de segurança e de alarme social da comunidade”.

Nestas declarações à Renascença, Paulo Sá e Cunha afirma que não se pode esquecer que o “critério essencial é que isto seja uma medida sanitária de prevenção de difusão de um surto pandémico que em ambiente prisional seria catastrófico. O problema resulta da sobrelotação e da impossibilidade prática de se aplicarem nas prisões, tal como estão, as medidas de prevenção recomendadas pelas autoridades de saúde”.

O advogado deixa um alerta: “não podemos estar perante uma situação urgente a discutir longamente soluções plausíveis que, depois, quando vêm a ter lugar, já é tarde demais. Se tivermos uma difusão generalizada da doença em ambiente prisional, depois não vamos querer restituir essas pessoas à liberdade agravando ainda mais a pandemia na sociedade”.

Até esta terça-feira, havia registo de quatro casos de infeção por coronavírus em meio prisional: uma auxiliar, dois guardas e uma reclusa.


Saída de 10% dos reclusos seria “balão de oxigénio” nas prisões

A Renascença ouviu outros intervenientes da área judicial que preferem o anonimato. Não têm dúvidas de que a decisão de libertação de presos não pode ser uma mera decisão administrativa e tem de ser constitucional, respeitando a separação de poderes (político/judicial). Lembram que libertar presos durante uma pandemia como a que vivemos não se trata de uma amnistia ou até mesmo de um indulto.

Vêem algumas soluções para reduzir o número de reclusos nas prisões e travar assim os danos irreversíveis que a entrada da Covid-19 poderá provocar nas cadeias sobrelotadas.

Uma fonte ligada à magistratura revela que se podia acabar com as prisões subsidiárias. Recorda que há centenas de pessoas a cumprir pena de prisão por não terem pago a tempo, por exemplo, multas ao Estado, etc... Cumprem 50, 80 ou 100 dias de prisão por incumprimento de um dever ao Estado Português que poderia, nesta circunstância, perdoar e libertar.

Outra das soluções apontadas passa pelo encurtamento do cumprimento das penas que se encontram na reta final. Isto é, libertar presos quando faltam entre seis a oito meses para o final da pena, dando-lhes liberdade com pulseira eletrónica.

Antecipar a liberdade condicional seria também uma opção válida em determinados condenados defende outro agente judicial contactado pela Renascença, assim como facilitar a saída de reclusos que já passam uma parte importante do tempo fora da prisão a trabalhar ou em precárias mensais.

O uso do instituto da modificação da pena (humanização da execução da pena) é apontado como outra solução para alguns reclusos. Os doentes que necessitam de tratamento, aqueles que estão em fase avançada da doença, os de idade avançada, entre outros, podiam ir para casa ou hospitais, lares com pulseira eletrónica.

No entanto, as mesmas fontes lembram que não se pode esquecer que é preciso condições em casa das famílias dos reclusos, é preciso que exista consentimento da família para os receber, as equipas de reinserção terão de andar na rua expostas a ver condições das habitações, realizando relatórios, o que significa uma tarefa de risco.

Todos defendem que a retirada de, por exemplo, 10% dos reclusos da prisão, cerca de mil e poucos presos, permitiria já criar aquilo a que se chama um “balão de oxigénio” no sistema prisional. Menos reclusos por cela, menos concentração, logo menos probabilidade de contágio pelo novo coronavírus.

A Renascença sabe que os juízes dos Tribunais de Execução de Penas (TEP) apresentaram ao Ministério da Justiça algumas medidas para fazer face à prevenção da Covid -19.

Um alerta pretende que pretendeu dar nota de que qualquer medida - necessariamente justificada por um contexto excecional de emergência de saúde pública - tem que permitir uma clara, rápida e efetiva implementação, sob pena de oportunidade perdida.

O Ministério da Justiça anunciou que tomará uma posição sobre a libertação de reclusos ainda esta semana, após a avaliação das medidas do estado de emergência.

O diretor-geral da Reinserção e Serviços Prisionais, Rómulo Mateus, afirmou que seria “uma medida de boa gestão profilática dos recursos prisionais”, de “higiene e saúde pública” e que “protege a comunidade”.