Biden: uma decisão controversa
19-04-2021 - 06:38

O Presidente Biden decidiu retirar as forças armados americanas do Afeganistão. A decisão tem riscos, como os taliban voltarem a dominar aquele país. Mas é uma decisão coerente com o que Biden sempre defendeu. Repetir mais um acordo falhado não tinha sentido.

O Presidente Biden anunciou a retirada dos militares americanos do Afeganistão até 11 de setembro próximo, vigésimo aniversário do terrível ataque terrorista às torres gémeas de Nova York e a outros alvos em Washington. As Forças Armadas dos EUA foram para aquele país como resposta a esse ataque terrorista.

Chegaram a estar no Afeganistão mais de 100 mil militares americanos. Agora só lá permaneciam cerca de 2500. Como, em 2001, pela primeira vez na história, a NATO invocou o artº. 5º do tratado da Organização (se um país da NATO for atacado, os seus parceiros na Aliança consideram-se também atacados), encontram-se ali à volta de 7 mil militares de outros países da NATO, Portugal incluído. Todos sairão do Afeganistão.

Não há solução militar para o Afeganistão, dizem os comandantes desses grupos de militares da NATO para ali deslocados. Esta é a guerra mais longa em que os EUA se envolveram ao longo da sua história. Dura há vinte anos e não se vislumbram progressos. Os EUA foram humilhados pela sua derrota no Vietname, em 1974. Agora não houve humilhação, mas o reconhecimento de que não poderiam ganhar uma guerra de guerrilha como esta. Por isso os EUA saem do território afegão sem condições, embora se espere que os americanos mantenham algum apoio financeiro ao governo afegão. Pelo menos, caçaram e abateram Bin Laden no Paquistão, quando Obama era presidente,

Convém lembrar que, no século XIX, a Grã-Bretanha, na altura o país mais poderoso do mundo, foi militarmente derrotada no Afeganistão. Mais perto de nós, a União Soviética não conseguiu vencer no Afeganistão entre 1979 e 1989, o que apressou a queda do comunismo soviético.

Os EUA fizeram sucessivos acordos com o governo do Afeganistão e os taliban, para uma saída condicional das tropas americanas. Todos falharam. A administração Trump, como a anterior de Obama, tinha acordado saírem os militares da NATO do Afeganistão, com a condição de os taliban se desligarem da Al-Qaeda e celebrarem um acordo político com o governo do país. Nenhum compromisso foi cumprido. Os governos de Cabul, capital do Afeganistão, nunca se revelaram capazes de assumir os compromissos que tomavam.

Agora, os taliban afirmaram à BBC que “ganharam a guerra”. É prematuro dizer isso, mas é provável que os taliban dentro de pouco tempo conquistem as cidades do país, impondo a “sharia”, a lei islâmica. Essa lei não é favorável às mulheres, que não devem sequer ir à escola. Em suma, teremos no Afeganistão, de novo, uma teocracia islâmica. O aumento do terrorismo é uma preocupação.

A decisão de retirar do Afeganistão foi tomada por Biden contra a opinião, bem conhecida, da maioria dos generais americanos. O diretor da CIA, Bill Burns, alertou o Senado de Washington para que a retirada prejudicaria os esforços de “intelligence” (espionagem) dos americanos. E Biden tem sido criticado no estrangeiro por políticos e comentadores favoráveis aos EUA.

Mas Biden foi fiel a si próprio: ele há décadas que manifesta dúvidas sobre a operação militar no Afeganistão. Quando lhe falaram dos direitos das mulheres, no caso de os taliban voltarem a mandar naquele país, Biden (que teve um filho a combater no Vietname) respondeu que seria incapaz de enviar para uma possível morte jovens soldados americanos para defenderem os direitos das mulheres do Afeganistão. Nem esta decisão de sair do Afeganistão pode ser classificada de eleitoralista – Biden está no início do seu mandato. Repetir mais um acordo falhado não tinha sentido.

Parece-me, assim, que a decisão de Biden tem riscos, mas é a solução possível.