​Consciência de Deus
05-03-2021 - 06:11

Estamos perante um ateísmo que, em nome da destruição de Deus, quer impor a destruição do próprio conceito de consciência humana.

Já não me lembro onde é que li a história. Num livro de Mencken? De Lippmann? De Twain? Seja como for, a história é esta: quando se descobriram os fósseis de dinossauros, muitas comunidades beatas na América, num reflexo defensivo, afirmaram que esses ossos tinham sido enterrados por Satanás como teste à fé dos cristãos. Estas pessoas não queriam lidar com a teoria da evolução das espécies e com a ideia de um tempo histórico independente do imaginário bíblico. O curioso (ou será trágico?) é que hoje em dia encontramos este tipo de fanatismo quase cómico nos sectores materialistas e ateus, alegadamente muito sofisticados e racionais.

Lembrei-me desta comparação quando há dias tentei dialogar com um amigo sobre Deus e fé.

"- Olha, Henrique, não me convences, Deus é uma ilusão da consciência humana!".

"- Queres ver que a própria consciência também é uma ilusão?".

Este é um erro clássico do materialismo que reduz o ser humano aos fluxos químicos do cérebro. A nossa consciência, ou alma, não é o cérebro. O cérebro é apenas o recipiente biológico e químico do que pensamos, do que decidimos, do que sentimos, da nossa memória, e este material moral é imaterial e irreproduzível num robô ou humanóide. Esta consciência humana não é material, mas não deixa de ser tão real como o granito. E aqui, se me permitem, reproduzo a minha argumentação ispis verbis:

"- Aliás, repara no que estamos a fazer: duas pessoas estão a derramar no ar uma linguagem feita de coisas imateriais, as palavras, que foram feitas e proferidas por um motor imaterial, o espírito, a alma, a consciência, chama-lhe o que quiseres; não podes é dizer que tudo é matéria empírica, palpável e mensurável. Se tudo fosse matéria, nós seríamos robôs e não seres humanos. E um sistema de pensamento que transforma a consciência (aquilo que é específico do ser humano) num não assunto ou numa mera contingência secundária e criada por acaso pelas forças da matéria, bom, meu caro, não é um sistema, é uma fuga da realidade, um fanatismo tão criticável pelo o estado de negação das beatas americanas que não se queriam confrontar com os ossos dos dinossauros".

Estamos perante um ateísmo que, em nome da destruição de Deus, quer impor a destruição do próprio conceito de consciência humana. Este materialismo odeia lidar com a questão da consciência, porque, em primeiro lugar, tem de sair da sua zona de zona de conforto e lidar com variáveis imateriais e, em segundo lugar, sabe que, a partir do momento em que contemplamos variáveis imateriais, as perguntas sobre Deus deixam de ser disparates supersticiosos e a passam a ser um imperativos racionais.